28/01/2021

Cientistas querem copiar estrutura do coronavírus para tratar o câncer

Com informações da Agência Fapesp
Cientistas querem copiar estrutura do coronavírus para tratar o câncer
Estrutura do novo coronavírus pode inspirar desenho de nanopartículas para uso terapêutico contra o câncer, levando medicamentos diretamente às células do tumor.
[Imagem: CNPEM/divulgação]

Vírus artificial contra câncer

Algumas características estruturais que dão grande eficiência ao coronavírus SARS-CoV-2 para interagir com seus alvos nas células humanas estão servindo de inspiração para cientistas.

A ideia é se inspirar na eficiência do vírus da covid-19 para criar nanopartículas capazes de carregar e liberar medicamentos de forma mais bem controlada.

Embora ainda não esteja claro se essa técnica poderá ajudar especificamente quem tem covid-19, ela certamente poderá ajudar muito no tratamento do câncer, além de infecções e inflamações.

"O SARS-CoV-2 é uma nanopartícula extremamente eficiente na interação com seus receptores-alvo e pode servir de modelo para o desenvolvimento de nanopartículas sintéticas para aplicações biológicas mais direcionadas," disse o pesquisador Mateus Borba Cardoso, do CNPEM (Centro Nacional de Pesquisa em Energia e Materiais).

Eficiência do SARS-CoV-2

Os vírus em geral são nanopartículas naturais, em escala nanométrica (da bilionésima parte do metro), que interagem de modo preciso e eficiente com o maquinário biológico dos seres vivos. Graças a características de sua estrutura muito homogênea, eles conseguem excelentes resultados de infecção e, consequentemente, de replicação.

No caso do SARS-CoV-2, um dos fatores que permitiram ao vírus se tornar altamente contagioso é justamente sua eficiência em acertar o seu alvo.

A principal porta de entrada do novo coronavírus no corpo humano é o nariz, de onde o vírus se espalha para todo o trato respiratório. Nessa região, se encontra alojada nas células epiteliais dos cílios móveis a proteína ACE2, com a qual o SARS-CoV-2 se liga para viabilizar a infecção.

A interação do SARS-CoV-2 com os cílios micrométricos das células epiteliais do nariz apresenta vantagens consideráveis para o vírus. Primeiro, porque o comprimento dos cílios é cerca de 50 vezes o tamanho do vírus - de mais ou menos 5 micrômetros, contra aproximadamente 100 nanômetros. Em segundo lugar, porque a interação com o vírus prejudica a função adequada das células em estágios posteriores da doença, inibindo a depuração de muco que poderia prevenir futuras infecções virais.

"A chave que desencadeia a covid-19 é uma interação guiada entre o SARS-CoV-2 com o receptor ACE2 nas células nasais, com o qual apresenta uma afinidade de ligação dez vezes mais forte do que o SARS-CoV, embora ambos compartilhem 76% da sequência genética da proteína spike [proteína espícula, com a qual o vírus se liga ao receptor ACE2 das células humanas]," explicou Mateus.

Cientistas querem copiar estrutura do coronavírus para tratar o câncer
A eficiência do novo coronavírus se baseia na distribuição homogênea das suas proteínas de pico.
[Imagem: I. R. S. Ribeiro et al. - 10.1016/j.nantod.2020.101012]

Nanofabricação

A ideia dos pesquisadores é reproduzir artificialmente a distribuição homogênea das diversas proteínas de pico do SARS-CoV-2, de acordo com padrões de geometria e simetria bem definidos. No vírus, esse arranjo meticuloso, com espaços ordenados de 15 nm entre as proteínas, otimiza a replicação e transforma uma série de interações fracas em interações fortes, aumentando as chances de entrada e replicação do vírus nas células.

"Estamos propondo usar esses conceitos de especificidade e de eficiência do SARS-CoV-2, que consegue interagir muito seletivamente com as células humanas, para desenvolver nanopartículas com características que o vírus apresenta de modo que se liguem a receptores de uma determinada região tumoral, por exemplo. Dessa forma, seria possível diminuir drasticamente as doses e os efeitos secundários de quimioterápicos", avaliou Mateus.

O desafio da equipe - e de outros cientistas - será ajustar as técnicas de nanofabricação atualmente disponíveis para alcançar um controle preciso do posicionamento das nanoestruturas que deverão alvejar os tumores.

Outro desafio importante está relacionado com a alta seletividade, que garante a precisa "responsividade" aos eventos biológicos. Os receptores precisam superar obstáculos de interação e passar ilesos pelo reconhecimento do sistema imunológico até que encontrem os alvos que permitam a entrada nas células.

"Desenvolvemos no CNPEM há mais de uma década uma plataforma para produção de nanopartículas para aplicações em nanomedicina. Nossas partículas, assim como os vírus, vêm sendo mutadas para melhorarmos cada vez mais a eficiência delas," adiantou Mateus.

Checagem com artigo científico:

Artigo: Nano-targeting lessons from the SARS-CoV-2
Autores: I. R. S. Ribeiro, R. F. da Silva, C. P. Silveira, F. E. Galdino, M. B. Cardoso
Publicação: Nano Today
Vol.: 36, 101012
DOI: 10.1016/j.nantod.2020.101012
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