04/09/2008

Comprar compulsivamente tem conseqüências além das financeiras

Alex Sander Alcântara - Agência Fapesp

Falta consenso no diagnóstico

Ainda não existe um consenso entre pesquisadores sobre as causas do transtorno do comprar compulsivo (TCC), definido como uma dependência comportamental. Mas, de acordo com uma pesquisa feita na Faculdade de Medicina da Universidade de São Paulo (FMUSP), a hipótese biológica atual sobre os mecanismos ligados a esse problema envolve alterações na regulação do sistema de recompensa cerebral e nos mecanismos de regulação da resposta ao estresse.

O estudo foi coordenado por Hermano Tavares, do Ambulatório de Jogo Patológico e Outros Transtornos do Impulso (Amjo) do Instituto de Psiquiatria do Hospital das Clínicas da FMUSP. Participaram também Daniel Fuentes, da Unidade de Psicologia e Neuropsicologia do mesmo instituto, Donald Black, da Universidade de Iowa, nos Estados Unidos, e Daniela Sabbatini Lobo, do Centro de Dependência e Saúde Mental da Universidade de Toronto, no Canadá.

Transtorno do comprar compulsivo

O objetivo da pesquisa, publicada na Revista Brasileira de Psiquiatria, foi apresentar uma revisão sobre o transtorno do comprar compulsivo (TCC). De acordo com Daniela, que realiza pós-doutorado no Canadá, depois de ter concluído o doutorado na USP, o transtorno pode ser definido como ocorrência de um comportamento impulsivo que continua a ser repetido apesar de provocar - ou ter o potencial de provocar - conseqüências negativas.

Além das conseqüências financeiras

As conseqüências, segundo ela, não são exclusivamente financeiras. "Pessoas com transtorno do comprar compulsivo apresentam dificuldades em relacionamentos pessoais e no trabalho, que são colocados em segundo plano", disse à Agência FAPESP.

Segundo ela, é importante distinguir as compras normais das descontroladas, mas a distinção não é feita com base na quantidade de dinheiro gasto ou no nível de renda. "O transtorno do comprar compulsivo é caracterizado a partir da extensão da preocupação, do nível de angústia pessoal e do desenvolvimento de conseqüências adversas", explicou.

"Muitas pessoas compram em excesso ocasionalmente, em situações especiais, como aniversários e férias, mas o gasto excessivo episódico por si só não constitui evidência para confirmar um diagnóstico de transtorno do comprar compulsivo", disse.

Diferente do transtorno obsessivo-compulsivo

Alguns estudos anteriores associaram o transtorno do comprar compulsivo ao transtorno de humor, transtorno obsessivo-compulsivo e transtorno do impulso, mas a nova pesquisa destaca a necessidade de uma diferenciação.

"Pessoas com transtorno bipolar, durante a fase de mania, podem fazer gastos excessivos, porém, esse comportamento ocorre em conjunto com outros sintomas. A diferenciação entre transtorno obsessivo-compulsivo, transtorno bipolar e transtorno do comprar compulsivo deve ser feita pelo psiquiatra e, cada um deles, deve ser tratado de forma diferente", disse Daniela.

Episódios depressivos

Segundo a pesquisadora, pacientes com transtorno do comprar compulsivo freqüentemente apresentam episódios depressivos. "No entanto, não se pode dizer que o transtorno foi causado pela depressão. Em geral, pessoas que apresentam o problema podem apresentar piora dos sintomas se, simultaneamente, ocorrer um episódio de transtorno depressivo."

Sem distinção de classes sociais e gênero

Os primeiros estudos sobre transtorno do comprar compulsivo revelaram uma maior freqüência em mulheres. Esse fato poderia decorrer de fatores culturais, ou ter ligação com a forma como o transtorno foi investigado.

"Muitas vezes, homens também têm transtorno do comprar compulsivo. Homens, em geral, compram itens mais caros e maiores, como carros, computadores, eletrônicos, enquanto mulheres geralmente compram uma grande quantidade de itens de menor valor, como sapatos, bijuterias, roupas, jóias", disse Daniela.

A pesquisadora destaca que o transtorno do comprar compulsivo atinge todas as classes sociais e que ainda não há trabalhos que investigaram se há maior freqüência em indivíduos com maior poder aquisitivo.

Não existe tratamento padrão

O estudo aponta que não existe um tratamento padrão. A avaliação é feita pelo psiquiatra para determinar o tipo de tratamento mais indicado. O tratamento envolve psicoterapia e também o uso de medicamentos.

"O uso e a escolha das medicações apropriadas dependem da gravidade do caso e da existência ou não de outros problemas, por exemplo, de comorbidade com transtorno depressivo, transtorno de ansiedade e dependência de substâncias. Outro aspecto importante no tratamento é o esclarecimento aos familiares sobre o transtorno do comprar compulsivo. Quando possível e se bem orientado, o envolvimento da família no tratamento pode ser benéfico", disse.

Daniela aponta que os estudos em transtorno do comprar compulsivo ainda estão em estágio bastante inicial, portanto ainda há muito a ser investigado. São necessários estudos epidemiológicos em regiões com diferentes aspectos culturais e estudos mais detalhados sobre a psicopatologia do transtorno. "Esses dados podem então auxiliar o delineamento de pesquisas voltadas aos aspectos biológicos do transtorno do comprar compulsivo e ao seu tratamento", destacou.

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