05/10/2010

Periodontite pode afetar sistema cardiovascular

Isabel Gardenal - Jornal da Unicamp

Periodontite crônica

A literatura científica cita que a periodontite crônica, também conhecida como doença periodontal, tem uma repercussão negativa na saúde sistêmica do indivíduo, com alguns relatos de focos dessa doença em artérias e articulações.

Mas não havia propriamente uma prova consubstanciada sobre isso.

Também pairava uma dúvida se, nos pacientes com periodontite, as bactérias que provocavam essa doença tinham condições de se deslocar da gengiva infeccionada para se alojar nas artérias do sistema cardiovascular, principalmente nas coronarianas.

Comprovação experimental

Agora, um estudo desenvolvido na Faculdade de Ciências Médicas (FCM) da Unicamp comprovou que as periodontites crônicas graves podem alterar o perfil lipídico dos seus portadores e levar a eventos coronários agudos.

E mais: ficou claro que os microrganismos presentes nas bolsas periodontais (ou bolsas gengivais) podem penetrar o epitélio gengival contaminado, ganhando acesso à corrente circulatória e alojar-se nas placas ateromatosas (ateroma vascular).

Estas conclusões integram a pesquisa de doutorado do periodontista Fernando José de Oliveira, orientada pelo professor Reinaldo Wilson Vieira, do Departamento de Cirurgia da FCM.

O estudo

O autor analisou as proteínas plasmáticas e o nível de gordura no sangue - as lipoproteínas séricas - de 181 pacientes atendidos na Unidade Coronariana do Hospital de Clínicas (HC) no período de 2000 a 2006.

Dessa amostra, todos indivíduos eram diagnosticados por eletrocardiografia e/ou angiografia, onde de 17 pacientes que seriam submetidos à cirurgia de revascularização do miocárdio foram obtidos os fragmentos das artérias torácica interna e coronárias durante o transoperatório.

Estas artérias passaram por uma análise para a possível detecção do DNA bacteriano por meio de técnicas de biologia molecular. Tal avaliação foi efetuada no Laboratório de Patologia Clínica do Hospital de Clínicas (HC) e acompanhada pelo especialista na Disciplina de Cirurgia Cardíaca e Cardiologia.

Infecção coronariana

Observou-se que aproximadamente 60% das artérias coronárias tinham sido infectadas por microrganismos resultantes das periodontites crônicas e constatou-se que a periodontite normalmente promove alteração nas lipoproteínas e no colesterol total dos indivíduos.

Enquanto as LDL, as lipoproteínas de baixa densidade (mau colesterol), ficam elevadas, o HDL, ou lipoproteínas de alta densidade (bom colesterol), mostram-se reduzidas.

No estudo, o DNA bacteriano periodontal foi detectado em 10 (58,8%) das 17 artérias coronárias pesquisadas, número considerado significativo para a amostra estudada.

Segundo Oliveira, quanto mais grave a periodontite, maiores alterações foram percebidas no colesterol total como também nas lipoproteínas, termo empregado para definir uma família de partículas cuja finalidade é transportar lipídeos, sobretudo triglicérides e colesterol, entre órgãos e tecidos.

Além do mais, foram encontradas alterações na resposta imunológica inata, com aumento de leucócitos sanguíneos nos pacientes com periodontite crônica grave. Sem exceção, conta Oliveira, todos os pacientes avaliados apresentaram como doença de base as cardiopatias isquêmicas, isto é, síndromes isquêmicas agudas. Sexo masculino, hipertensão, idade avançada, obesidade e raça branca apresentaram correlação com a prevalência da periodontite crônica.

Periodontite crônica

A periodontite crônica é uma inflamação que acomete gengiva, osso e ligamentos de suporte dos dentes, sendo definida como uma condição patológica multifatorial complexa, na qual a microbiota assim como a resposta imunológica do hospedeiro contribuem para a destruição do periodonto.

Ela é causada em geral por bactérias gram-negativas, sendo um dos principais motivos de perda de dentes em adultos, por conta da destruição das estruturas de sustentação dos elementos dentários.

As infecções crônicas bacterianas, particularmente as provocadas pelas periodontites crônicas, representam riscos às condições sistêmicas, como a doença coronariana e a aterosclerose (esta última permanece como uma das primeiras causas de morte no mundo).

Fatores de risco bem estabelecidos das doenças cardiovasculares, como os lipídeos séricos, em associação com os chamados novos fatores de risco (periodontite crônica), podem conduzir ou precipitar eventos coronários agudos.

Consequências cardíacas das periodontites

O objetivo do pesquisador foi verificar o perfil lipídico, hematológico e bioquímico sanguíneo, bem como analisar biópsias de artérias coronárias e torácica interna, a fim de detectar prováveis bactérias ligadas às periodontites.

Os pacientes foram divididos em três grupos: o primeiro de portadores de gengivites, o segundo com periodontite crônica e um terceiro grupo sem infecções periodontais que não apresentavam alterações sanguíneas e nem bacterianas. Os pacientes, com idade entre 55 e 60 anos, tinham suas artérias comprometidas e possuíam indicação cirúrgica.

Conforme o pesquisador, os fatores de risco mais significativos para as síndromes isquêmicas agudas apontados no estudo foram, em particular, os níveis elevados de lipoproteínas de baixa densidade, hipertrigliceridemia (quadro exacerbado por diabetes melito descompensado, obesidade e hábitos sedentários) e reduzidos níveis de lipoproteína de alta densidade.

Com base nos resultados da investigação, a hipótese é que as bactérias associadas com as periodontites crônicas graves podem de fato alterar o perfil lipídico em pacientes vítimas de ataque cardíaco isquêmico. "Contudo, mais estudos serão necessários com grande número de pacientes para elucidar desta vez a frequência e a incidência de micro-organismos relacionados às doenças gengivais nas bolsas periodontais e nas placas ateromatosas de pacientes com doença cardíaca isquêmica aguda", conclui o pesquisador.

Periodontista

A periodontite, relata ele, provoca mau odor bucal, leva à perda das unidades dentárias e alterações no paladar, e conduz à mobilidade dentária e até destruição óssea. "Seus sinais clínicos são sangramento, inchaço das gengivas, vermelhidão e sensibilidade gengival. Apesar disso, a doença tem uma particularidade: é indolor", informa. "Na atualidade, ela está presente em até 25% das populações epidemiologicamente em vários continentes. Ou seja, de cada 100 pessoas, 25 podem ter periodontite do tipo grave, quando não tratada", expõe.

O profissional balizado para realizar este tratamento é o periodontista. Normalmente, ele emprega instrumentos como curetas especiais para fazer raspagens na raiz dentária, com vistas a minimizar ou eliminar a quantidade de bactérias alojadas nessa superfície.

O procedimento visa obter diminuição da placa bacteriana nessas regiões, onde a sua ocorrência é mais recorrente. Em alguns casos, as cirurgias periodontais também podem ser indicadas como sistemática e até mesmo o uso de antibióticos de largo espectro como adjunto nesse procedimento, afirma Oliveira.

Retirada da placa bacteriana

A placa bacteriana, explica o pesquisador, é um biofilme dentário que pode conter cerca de 1 trilhão de bactérias numa simples bolsa periodontal e, se não tratada, pode levar à perda dos elementos dentários. "Trata-se, portanto, de um problema de saúde pública para o qual devem ser recomendadas medidas preventivas", aponta.

Em Salvador, Bahia, onde o especialista reside e atua como periodontista há cerca de 18 anos, o governo local decidiu adotar na rotina do atendimento público o uso de um instrumento para retirada de placa bacteriana dos dentes, especialmente aconselhada ao paciente que negligencia a escovação. "É uma ação simples mas efetiva, principalmente levando-se em consideração que muitas pessoas não têm nem acesso à escova", admite.

Como saída, o pesquisador acha interessante instituir o tratamento preventivo da periodontite pois, com isso, poderão ao mesmo tempo ser combatidos possíveis fatores de risco associados a doenças cardiovasculares como o infarto do miocárdio e a angina, cuja responsabilidade já é hoje, em muitas situações, atribuída à periodontite crônica como um possível fator de risco emergente.

"Entretanto, é impensável hoje fazer um tratamento dentário sem uma avaliação anterior de um periodontista", salienta Oliveira, que é professor da Faculdade de Tecnologia e Ciências (FTC) e de dois centros de Pós-Graduação em Periodontia e Implantodontia, em Salvador.

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