09/01/2014

Dilemas da prevenção do câncer: Repensar o uso da palavra câncer

Alexandra Barratt - Universidade de Sydney - The Conversation
Por que devemos repensar o uso da palavra câncer
A Dra. Alexandra Barratt, autora deste artigo, é professora de Saúde Pública na Universidade de Sydney (Austrália).
[Imagem: The Conversation]

O Diário da Saúde está publicando uma discussão levantada por especialistas que questionam a forma como a prevenção do câncer, sobretudo do câncer de mama, está sendo abordada pela imprensa no mundo todo.

Parte I: As Celebridades e as Mamografias

Parte II: Quando a prevenção vira risco

Parte III: Celebridades ignoram a Ciência

Parte IV: Repensar o uso da palavra câncer

Neste quarto e último artigo, a doutora Alexandra Barratt discute a proposta de restringir o uso da palavra câncer.


Por que devemos repensar o uso da palavra câncer

No início deste ano, cientistas líderes na área de pesquisas sobre o câncer pediram alterações para lidar com o problema do excesso de diagnósticos, ou sobrediagnósticos, e do tratamento excessivo causado pelas campanhas de exames preventivos do câncer, o que eles chamam de rastreio do câncer.

Os esforços para aumentar a conscientização e a detecção precoce do câncer através dos exames preventivos levaram a aumentos significativos nos diagnósticos de câncer em fase inicial, mas não geraram uma queda proporcional nos cânceres avançados.

Após três décadas de campanhas e rastreio do câncer de mama, nos Estados Unidos houve um grande aumento (100%) na taxa de detecção do estágio inicial do câncer de mama, mas apenas uma pequena queda (8%) na taxa de câncer avançado ou em estágio final.

Isto sugere fortemente que o culpado é o sobrediagnóstico, que poderia ser responsável por quase um terço de todos os cânceres de mama diagnosticados recentemente.

Em resposta a este problema emergente dos programas de rastreio detectando cânceres inofensivos, os cientistas fizeram uma série de recomendações para enfrentar e mitigar o sobrediagnóstico.

Câncer ou IDLE?

Uma das recomendações consiste em repensar o uso da palavra câncer ao falar sobre anomalias detectadas nos exames preventivos.

A palavra câncer, escrevem os especialistas no Journal of the American Medical Association - JAMA, deve ser reservada para os cânceres com risco de vida, isto é, "lesões com uma probabilidade razoável de progressão letal se não forem tratadas".

Cânceres precoces e pré-cânceres (células anormais que podem ou não se tornar cancerosas) encontrados pelos exames de rastreio, como mamografias e exames de PSA, devem ser renomeados "sem palavras assustadoras", tais como carcinoma ou neoplasia.

Os especialistas sugerem que esses casos sejam renomeados para IDLE, uma sigla para o termo em inglês equivalente a Lesões Indolentes de Origem Epitelial - sintomaticamente, a palavra idle em inglês significa inativo, parado.

Segundo eles, um acompanhamento dos casos de IDLE poderá permitir monitorar com eficácia como essas anomalias progridem e regridem.

Desinformação sobre câncer

O painel de cientistas também afirma que é essencial que a sociedade - profissionais médicos e cidadãos - reconheçam que o sobrediagnóstico existe e comecem a falar sobre isso com mais compreensão.

Os cientistas do Instituto Nacional do Câncer dos EUA destacam: "Médicos, pacientes e o público em geral devem reconhecer que o sobrediagnóstico é comum e ocorre com mais frequência com o rastreio do câncer. O sobrediagnóstico, ou identificação de cânceres indolentes, é comum nos cânceres de mama, pulmão, próstata e tireoide. Sempre que as campanhas preventivas são utilizadas, a fração de tumores nesta categoria aumenta."

O sobrediagnóstico é uma das razões pelas quais as taxas de sobrevivência são enganosas quando se trata do rastreio do câncer. Ao adicionar cânceres inofensivos ao número de cânceres diagnosticados, o sobrediagnóstico garante que as taxas de sobrevivência vão melhorar, ainda que o mesmo número de pessoas continue morrendo de câncer.

Até que os médicos e os cidadãos tenham uma melhor compreensão do sobrediagnóstico, continuamos correndo o risco de estarmos mal-informados e desinformar outras pessoas sobre os exames preventivos do câncer.

Veja a seguir uma série de outros estudos que chegaram a conclusões semelhantes, embasando a atitude crítica em relação aos rastreios e às campanhas de prevenção:

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