15/12/2008

Teste de paternidade dispensa material genético do pai

Evanildo da Silveira - Agência Fapesp
Teste de paternidade dispensa material genético do pai
Empresa brasileira desenvolveu um software que aplica fórmulas matemáticas para o cálculo de testes de DNA. Resultados são conhecidos em cinco minutos.
[Imagem: Fapesp]

Software para teste de DNA

Uma empresa emergente, nascida de uma pesquisa feita na USP, criou um software que faz testes de DNA, inclusive para determinação de paternidade, em apenas 5 minutos e a um custo menor do que os exames tradicionais.

A Genomic Engenharia Molecular, uma das pioneiras em exames de DNA no Brasil, desenvolveu o software próprio para dar mais precisão ao resultado na determinação da paternidade. O produto baseia-se na tese de doutorado do engenheiro Fábio Nakano, defendida no Instituto de Matemática e Estatística da Universidade de São Paulo (IME-USP), e propõe novos modelos de cálculos para os testes. Até então, as contas complexas eram feitas manualmente.

Teste de paternidade sem o pai

"Fazemos os cálculos até quando não é possível coletar material do suposto pai", diz Fábio Nakano, criador do programa. "A análise é feita com o material genético de outro parente próximo (os irmãos ou o pai do suposto pai, por exemplo). O programa também pode servir para casos em que há outros vínculos discutíveis, como na hipótese de um dos irmãos do suposto pai não ser legítimo, ou se houver casamento entre primos (consangüinidade). O modelo utiliza melhor todos os dados disponíveis, o que gera rapidamente resultados precisos."

Exames de DNA pela Internet

Com financiamento da Fapesp, os pesquisadores aperfeiçoaram o software para colocá-lo à disposição dos interessados em resolver os cálculos na Internet. Para que isso fosse possível, a Lampada Global Services foi contratada. "Criamos o portal GenomiCalc, com interface para a Internet, a parte de e-commerce e a integração com o software de cálculos", explica o diretor da Lampada, David O'Keefe.

Hoje, o serviço pela Internet é vendido pela Genomic. "Cobramos uma assinatura mensal, cujo valor varia de acordo com o número de cálculos que o cliente quer fazer", explica Martin Whittle, médico e fundador da empresa. A assinatura mais barata, por exemplo, custa R$ 350 e dá direito a cinco cálculos (R$ 70 por cálculo) por mês, não acumulativos. A mais cara custa R$ 8 mil e permite a realização de cem cálculos mensais, não acumulativos, ou de 1,2 mil cálculos ao longo do ano - neste último caso, cada um sai por R$ 6,6. "Também é possível pagar por cálculos avulsos, para um exame", acrescenta Whittle. O cálculo avulso custa R$ 200, metade do preço de um cálculo manual. O tempo de resolução também diminuiu muito, de uma manhã inteira para cinco minutos, incluindo-se a preparação e inserção dos dados no sistema.

Como são feitos os exames de DNA

Martin Whittle explica que o DNA é uma molécula que está presente nos cromossomos, no núcleo das células de qualquer ser vivo. Cada pessoa tem 46 deles (23 pares), metade recebida do pai e metade da mãe. Eles contêm as informações genéticas, a maioria em forma de genes, onde estão inscritas todas as características fundamentais de plantas, animais, bactérias ou gente.

A maioria dessas informações é idêntica para todos os indivíduos de uma determinada espécie, e é por isso que todas as pessoas têm dez dedos, dois braços, a forma do corpo comum e todas as demais peculiaridades que nos distinguem de outras espécies.

Mas há, no entanto, outras características genéticas que são semelhantes, mas não idênticas. Ainda usando o exemplo do ser humano, entre essas características estão a cor dos olhos, dos cabelos, a altura ou a propensão para determinadas doenças, que variam de pessoa a pessoa, com exceção dos gêmeos univitelinos ou idênticos, que possuem as mesmas informações genéticas.

"Essas variações na população chamam-se polimorfismos", explica Whittle. "É por meio da análise deles que se torna possível determinar as relações de vínculo genético entre duas pessoas. Como metade das informações genéticas de qualquer indivíduo veio de seu pai biológico e metade da mãe, a comparação entre as informações dos três permite afirmar com certeza se existe ou não o vínculo genético."

Como é feito do teste de paternidade pelo DNA

Ele diz que essas informações estão dispostas linearmente, lado a lado, ao longo dos cromossomos, em lócus. Cada lócus tem uma cópia de informações do pai e uma da mãe, denominada alelo. O teste de paternidade consiste na análise de alguns lócus selecionados. "O kit comercial que existe no mercado, usado por outros laboratórios, verifica de 12 a 15 lócus. Nós desenvolvemos nosso próprio kit e analisamos de 17 a 19, aumentando a confiabilidade do resultado", garante Whittle.

Normalmente, o teste de paternidade é feito retirando-se o DNA das células presentes nas amostras de sangue dos supostos pai e filho. Mas também podem ser feito a partir de qualquer outro material biológico deles, como saliva ou um fio de cabelo. Algumas gotas de sangue são depositadas em um papel absorvente especial, que faz parte do kit paternidade. Depois, é extraído o DNA, no qual são analisados os lócus pré-determinados. Para isso, é preciso amplificá-los com a técnica chamada polymerase chain reaction (PCR) ou reação em cadeia de polimerase.

Em seguida, de cada lócus são isoladas as duas metades (alelos). "Para a identificação de paternidade, o ponto de partida são os alelos presentes no filho", diz o médico. "Baseando-se na premissa de que a mãe indicada é de fato mãe biológica do filho, um dos alelos de cada par deste último precisa, necessariamente, coincidir com os dela. Quanto aos outros alelos, eles devem coincidir com os do pai. Se isso não ocorrer, a paternidade é, então, excluída, com certeza de 100%."

"A outra possibilidade é que em todos os lócus estudados, os alelos presentes no filho e não provenientes da mãe sejam encontrados no suposto pai. Isso leva à conclusão de que o suposto pai é, de fato, o pai biológico do examinado. Como a Genomic realiza a análise sobre lócus altamente polimórficos, o grau de certeza, quando o exame se faz no trio suposto pai/mãe/filho, é superior a 99,99%."

Exame de paternidade sem o pai

Esses casos, quando mãe, filho e suposto pai são vivos e fornecem o material para o exame, são os mais fáceis de resolver. Mas isso nem sempre ocorre. São comuns as situações em que o suposto pai já morreu.

Nesses casos, há duas alternativas para determinar a paternidade. A primeira é tentar extrair o DNA da ossada, o que é caro e pode fracassar, por causa da má qualidade do DNA, já exposto ao ambiente. A outra solução é compor características genéticas do falecido por meio de material colhido de parentes próximos, como filhos biológicos reconhecidos ou registrados, pais ou irmãos.

"Os resultados dessa perícia dependem do sucesso na reconstituição dos genótipos da pessoa morta", avalia Whittle. "O grau de confiança do resultado dependerá do número de indivíduos analisados, dos vínculos genéticos que mantêm entre si e em relação à pessoa falecida, e da quantidade de lócus analisados."

Pesquisas forenses

Todos os meses, pelo menos 600 pessoas saem do prédio da Genomic, com dúvidas dirimidas sobre seus pais biológicos. A empresa, criada em 1991, ocupa 460 metros quadrados em dois andares, tem cinco laboratórios, 17 funcionários e também realiza análises de DNA que podem servir para solucionar casos policiais ou detectar precocemente a propensão ao desenvolvimento de doenças geneticamente transmitidas. Em 2007, a Genomic faturou R$ 2,1 milhões.

Em seus laboratórios foram identificadas algumas das ossadas de ativistas políticos desaparecidos durante a ditadura militar (1964-1985), encontradas, em 1990, numa vala clandestina do cemitério Dom Bosco, em Perus, Zona Norte de São Paulo. Uma delas era de Flávio de Carvalho Molina, militante do Movimento de Libertação Popular (Molipo), morto em 1971 aos 24 anos. A empresa também atestou ser Pelé o pai de Sandra Regina Machado, como ela alegava. Esse caso trouxe notoriedade à empresa e deu início a seu crescimento.

Além desses, a Genomic apurou casos de dúvida sobre paternidade envolvendo Paulo Maluf, ex-governador e ex-prefeito de São Paulo, e o tricampeão mundial de Fórmula 1 Ayrton Senna. Em ambos os casos, os testes provaram que eles não eram pais das alegadas filhas. A empresa também comprovou que um pedaço de orelha enviado à família de Zezé di Camargo e Luciano era mesmo do irmão deles, Wellington Carvalho, que estava em poder de seqüestradores.

História do DNA

Do DNA, pouca gente ainda não ouviu falar. Notícias sobre seu uso para resolver pendengas familiares, em investigações de crimes ou previsão de doenças estão quase todo dia nos jornais ou no rádio e na televisão. A história sobre o conhecimento científico que o homem tem dessa molécula é mais antiga, no entanto. Ela começou com o monge austríaco Gregor Mendel (1822-1884), cujas pesquisas sobre hereditariedade ficaram esquecidas por 35 anos, até serem redescobertas, em 1900.

Antes disso, em 1869, o bioquímico suíço Friedrich Mieschner descobriu várias substâncias no núcleo celular, que classificou como proteínas e moléculas ácidas. Daí surgiu a expressão ácidos nucléicos, que levou à sigla DNA (ácido desoxirribonucléico). Outro avanço significativo ocorreu em 1944, quando o bacteriologista inglês Oswald Averry demonstrou que era mesmo o DNA o responsável pela transmissão dos caracteres hereditários.

Seis anos depois, em 1950, o bioquímico austríaco Erwin Chargaff descreveu a composição química dos ácidos nucléicos e determinou as proporções das bases do DNA. Em 28 de fevereiro de 1953, finalmente, o inglês Francis Crick e o americano James Dewey Watson descobriram a estrutura da molécula de DNA, o que lhes rendeu o Prêmio Nobel de 1962, juntamente com o britânico nascido na Nova Zelândia Maurice Wilkins, que teve papel importante na descoberta - uma pesquisadora de seu laboratório, Rosalind Franklin, fez as imagens de difração de raios X que foram a principal evidência para a comprovação da estrutura em hélice. O artigo que deu a notícia da descoberta foi publicado em 25 de abril de 1953 na revista inglesa Nature, em um texto de 900 palavras, acompanhado de um esboço simples da famosa dupla hélice.

Em 1991, o estudo do DNA fazia parte da área de pesquisa do médico Martin Whittle e do biólogo Fernando Reinach. Junto com mais dois sócios administradores, eles resolveram criar uma empresa para realizar exames de paternidade por meio do DNA. Nascia a Genomic, no mesmo prédio onde se encontra hoje. "Mas na época a gente ocupava apenas um quarto da área atual", lembra Whittle, que, na ocasião da abertura da empresa, era orientando de doutorado de Reinach. "Desde então, a emprese cresceu e se modernizou. Também mudou o quadro de sócios. Dos quatro fundadores, apenas eu continuo na empresa", lembra.

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