10/11/2008

É possível aprender a não ter medo, dizem cientistas

Jim Keeley

Permanecendo calmo

Por que algumas pessoas têm a capacidade de permanecerem calmas e relaxadas mesmo nas situações mais estressantes? Uma pesquisa feita no Instituto Médico Howard Hughes (Estados Unidos) está fornecendo novas pistas sobre como o cérebro muda quando animais de laboratório aprendem a se sentir seguros e protegidos em situações que normalmente os tornaria ansiosos.

Inibição condicionada do medo

Os pesquisadores Eric R. Kandel e Daniela D. Pollak fizeram experiências nas quais eles condicionaram os camundongos a se sentirem seguros em situações estressantes. Suas experiências mostraram que os camundongos desenvolveram um condicionamento inibidor do medo, o que Kandel chama de "segurança aprendida."

As mudanças comportamentais observadas nos camundongos inibiram a ansiedade de forma tão eficaz quando drogas antidepressivas como o Prozac, afirma Kandel. "É um pouco como psicoterapia," acentua ele. "Isto mostra que a intervenção comportamental funciona."

A pesquisa foi publicada no exemplar de Outubro da revista Neuron.

Condicionamento comportamental

O novo estudo é notável porque revela em elegantes detalhes como o condicionamento comportamental pode afetar o cérebro. Segundo Kandel, saber como a intervenção comportamental funciona nos níveis molecular e celular pode se mostrar uma rota interessante para a identificação de novos medicamentos para tratar os problemas de depressão e ansiedade.

Kandel, que também é psiquiatra, está intrigado com as novas descobertas. "Eu sempre tive interesse em saber como a psicanálise funciona," diz ele. "Como ela é uma experiência de aprendizado, deve haver uma base biológica no cérebro."

Tipos de medo

Dois tipos de medo, instintivo e aprendido, têm raízes evolucionárias profundas e são essenciais à sobrevivência. Mas, em algumas pessoas, formas patológicas de medo aprendido podem levar a desordens de ansiedade debilitantes, síndrome de estresse pós-traumático ou depressão.

A segurança aprendida, por outro lado, reduz o estresse crônico, uma das marcas características da depressão e de outras psicopatologias. "A capacidade de identificar, desenvolver e explorar condições de proteção e segurança é central para a sobrevivência e para a saúde mental," diz Kandel. "mas pouco se sabe sobre a neurobiologia desses processos."

Experimentos com camundongos

Em uma pesquisa anterior, o grupo de Kandel treinou os camundongos para associar um som específico com um evento adverso iminente. Ao longo do tempo, os camundongos tornaram-se condicionados para tirar vantagens de fontes de proteção e segurança em seus ambientes.

Agora, Pollak e Kandel procuraram estabelecer as características moleculares e comportamentais dessa segurança aprendida.

Nos experimentos, os camundongos foram treinados para associar segurança ou medo com sons específicos. Para o condicionamento do medo, o estímulo auditivo foi aplicado junto com um choque leve nas patas dos animais. Para o condicionamento de segurança, o som específico não foi acompanhado do choque.

Os experimentos mostraram que os camundongos condicionados à segurança aprenderam a associar o som com a falta de perigo e mostraram menos ansiedade na presença desse alerta de segurança.

Teste de estresse

Passando para um teste de estresse, a equipe de Kandel colocou os camundongos condicionados para a segurança em uma piscina de água para um teste de natação. O teste de natação forçada é comumente utilizada pelos pesquisadores para medir como as drogas antidepressivas afetam o comportamento dos camundongos.

"Nessa situação aparentemente desesperadora - onde os camundongos não têm opção para escapar da água - eles começam a mostrar sinais de desespero comportamental que são aliviados com as medicações antidepressivas. Nós descobrimos que os camundongos treinados para a segurança podem superar essa sensação de desespero no teste de natação," explica Kandel.

O efeito antidepressivo nos camundongos com condicionamento de segurança foi similar e comparável em magnitude ao tratamento com a droga fluoxetina (Prozac), acentua Kandel.

Segurança aprendida

Pollak e Kandel então observaram como a segurança influencia o desenvolvimento de células recém-nascidas no giro dentado, uma estrutura localizada na região do cérebro chamada hipocampo. O giro dentado é notável porque ele é uma das poucas estruturas no cérebro que gera novos neurônios - mesmo em animais adultos.

Os pesquisadores descobriram que os camundongos que foram condicionados para a segurança tinham um maior número de novas células no giro dentado. Quando a equipe de Kandel utilizou radiação para inibir o nascimento de novas células no giro dentado eles descobriram que suas intervenções retardavam o aprendizado da segurança e diminuía os efeitos antidepressivos da segurança já aprendida.

Amídala, o centro cerebral do medo

Pollak e Kandel também descobriram que a segurança aprendida fez disparar a expressão do fator neurotrófico derivado do cérebro, ou BDNF (brain-derived neurotrophic factor) no giro dentado. O BDNF é um fator de crescimento que promove o crescimento e a diferenciação de novos neurônios e suas conexões.

De modo intrigante, a análise genética revelou que, na amídala, o centro cerebral do medo, a segurança aprendida ajusta a expressão de componentes-chave do sistema neurotransmissor dopamina e do sistema neuropeptídico. Acredita-se que os dois sistemas influenciam o aprendizado, o humor e a cognição.

Alvo errado dos antidepressivos

Kandel disse que seu grupo ficou intrigado ao descobrir que a segurança aprendida não influencia a serotonina, o neurotransmissor tipicamente alvejado pelas drogas antidepressivas. A segurança aprendida parece influenciar os níveis tanto da dopamina quanto da serotonina, sugerindo novas rotas para o desenvolvimento de medicamentos antidepressivos, afirmou ele.

"Isto nos deu vários insights interessantes e nos mostrou um grande número de alvos potenciais para novas drogas," explicou Kandel, acentuando que já há medicamentos em desenvolvimento que influenciam as rotas de dopamina e neuropeptídicas.

 

Fonte: Diário da Saúde - www.diariodasaude.com.br

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