14/12/2007

Automedicação em crianças e jovens é incentivada em casa e nas farmácias

Alex Sander Alcântara

Uma pesquisa realizada no interior paulista constatou uma prevalência de automedicação entre crianças e jovens. A partir de entrevistas feitas nas zonas urbanas dos municípios de Limeira e Piracicaba, foi constatado que 56,6% de crianças e adolescentes consumiam remédios sem prescrição médica.

Incentivos das mães e funcionários de farmácias

Segundo o estudo, os maiores responsáveis pela automedicação e indutores seriam as mães (51%) e funcionários de farmácias (20,1%). O objetivo do trabalho foi identificar a prevalência e o uso de automedicação em comparação com indivíduos da mesma faixa etária que consumiram medicamentos com prescrição médica.

Anti-inflamatórios

De acordo com Fábio Bucaretchi, professor do Departamento de Pediatria da Universidade Estadual de Campinas (Unicamp), e orientador da tese de doutorado de Francis Tourinho Pereira que deu origem à pesquisa, um dos aspectos que chamaram a atenção foi a constatação do alto consumo de anti-inflamatórios não-hormonais nesse grupo etário.

"É um fato preocupante diante dos riscos associados ao consumo desses medicamentos. E esse alto consumo decorreu não somente da automedicação, mas também da prescrição médica, que é 3,6 vezes maior do que na Holanda, por exemplo", afirmou Bucaretchi à Agência FAPESP.

Qualidade dos serviços de saúde

O estudo, publicado no Jornal de Pediatria, considerou uma amostra aleatória de 772 moradores procedentes de 85 áreas censitárias. Os participantes foram divididos em dois grupos: os que se automedicavam e os que consumiam medicamentos sob prescrição médica. Os critérios incluíam a entrevista obrigatória com os responsáveis pelo adolescente e o consumo de pelo menos um medicamento nos 15 dias prévios à data da entrevista.

Segundo Francis Tourinho Pereira, professora do Departamento de Enfermagem da Universidade Federal de Santana Catarina (UFSC), que desenvolve pesquisa de doutorado no Departamento de Pediatria da Unicamp, o consumo de medicamentos por conta própria é considerado um indicador indireto de qualidade dos serviços de saúde.

Riscos da automedicação

"A automedicação pode levar ao aparecimento de diversas enfermidades de conseqüências iatrogênicas [que causa danos em decorrência de procedimentos cirúrgicos ou terapêuticos], como resistência bacteriana, reações de hipersensibilidade, dependência, sintomas de abstinência", disse Francis à Agência FAPESP.

A automedicação pode levar também ao mascaramento de sintomas de doenças em evolução, atrasando o diagnóstico e tratamento corretos, além de oferecer risco para o uso de doses tóxicas. "É um problema de saúde pública com necessidade de prevenção", afirmou.

Mais da metade dos entrevistados se automedicam

Os resultados apontaram prevalência de automedicação de 56,6% entre os entrevistados que consumiram medicamentos nos últimos 15 dias. As principais situações que motivaram a automedicação foram tosse, resfriado comum, gripe, congestão nasal ou broncoespasmo (17,2%), seguido de febre (15%), cefaléia (14%), diarréia, má digestão e cólica abdominal com 9%.

A pesquisadora cita como fatores que influenciam o uso da automedicação a grande disponibilidade de medicamentos, a publicidade indiscriminada, a qualidade da assistência de saúde, a dificuldade de acesso aos serviços e a venda livre de medicamentos nas farmácias.

"O medicamento é visto como símbolo da recuperação e obtenção de saúde. Mas vale ressaltar que a automedicação apresenta alta prevalência no Brasil e em todo o mundo", explicou Francis.

Influência da mídia não é percebida

O levantamento destacou que os medicamentos ingeridos sem prescrição médica foram indicados pela mãe (51% dos casos) e pelos pais (7,8%). Os funcionários de farmácia se destacam como principais indutores. Cerca de 20,1% dos entrevistados disseram ter ingerido medicamentos sugeridos pelos farmacêuticos e 15,3% consumiram medicamentos a partir de prescrições médicas antigas. Mas, para surpresa dos pesquisadores, somente 1,8% disseram ter ingerido medicamentos por influência da mídia.

"Achamos que esse dado não retrate a realidade. Muitas vezes as pessoas não percebem a influência da publicidade no seu dia-a-dia. As propagandas de medicamentos muitas vezes só trazem informações gerais, não apresentando riscos e restrições do uso dos mesmos, mostrando uma falsa realidade de segurança", disse Francis. Celso Stephan e Ricardo Cordeiro, ambos professores do Departamento de Medicina Preventiva e Social da Unicamp, contribuíram nas análises estatísticas do estudo.

Mãe cuida da saúde da família

Outro resultado de destaque da pesquisa: embora a prevalência do consumo de medicamentos prescritos seja mais alta em lactantes e pré-escolares, quanto menor a faixa etária, maior a insegurança dos cuidados em aceitar uma orientação leiga. O estudo constatou menor freqüência de automedicação em crianças menores de 7 anos.

De acordo com Francis, a mãe assume o papel de administrar os medicamentos, sendo responsável também por "prover a saúde da família".

"A menor freqüência de automedicação em lactantes e pré-escolares leva a considerar que os responsáveis não estão seguros e apresentam maior precaução em administrar medicamentos sem a observação do médico", disse. Esse fato, segundo ela, não está relacionado ao grau de instrução.

"Embora algumas pesquisas correlacionassem a prática da automedicação com o grau de instrução e informação dos usuários sobre medicamentos - e também com o grau de acesso aos remédios e ao sistema de saúde -, nosso trabalho não encontrou influência dessa variável", afirmou a professora da UFSC.

Analgésicos, antipiréticos e anti-inflamatórios

A pesquisa observou que a freqüência do uso de analgésicos, antipiréticos e anti-inflamatórios não-hormonais foi significativamente mais elevada nos usuários de automedicação, ao passo que o uso de antibióticos sistêmicos, vitaminas e antianêmicos e antagonistas H1 da histamina foi mais elevado entre aqueles com prescrição médica.

Armazenamento inadequado dos medicamentos

O estudo levantou ainda dados sobre armazenamento dos medicamentos no domicílio das famílias e encontrou uma série de problemas, do tipo armazenamento de remédios na cozinha e no banheiro, locais com risco de umidade e calor, medicamentos com prazo de validade vencido e quantidades insuficientes para um tratamento.

"O estudo suscita a importância da implementação efetiva dos processos de educação continuada dos prescritores (graduandos e médicos), visando ao uso racional de medicamentos. Esse tema, aliás, faz parte de um projeto de cooperação internacional envolvendo a Organização Mundial da Saúde, a Organização Pan-Americana de Saúde e a Agência Nacional de Vigilância Sanitária", explicou o coordenador da pesquisa, Fábio Bucaretchi.

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