03/02/2022

Parte não-letal do antraz funciona como analgésico e combate dor diretamente no cérebro

Com informações da Agência Fapesp
Parte não-letal do antraz funciona como analgésico e combate dor diretamente no cérebro
A esperança é que a parte não-letal do antraz transforme-se em um analgésico contra dores crônicas.
[Imagem: Nicole J. Yang et al. - 10.1038/s41593-021-00973-8]

Antraz do bem

O perigoso antraz (ou antrax), transformado por alguns cientistas pouco escrupulosos em arma biológica, nas mãos de uma equipe com o verdadeiro espírito científico está se transformando em um medicamento contra a dor.

O antraz é a toxina produzida por bactérias da espécie Bacillus anthracis quando a espécie é submetida a ambientes hostis.

Nestes casos, seus esporos são ricos nesta toxina, que pode causar úlceras na pele, problemas gastrointestinais e respiratórios nos indivíduos expostos, levando à morte em poucas horas.

Mas os dias de vilão do antraz podem estar contados. Pesquisadores do Brasil (USP) e dos EUA (Universidade Harvard) mostraram que um componente não letal da toxina antraz tem alto poder analgésico, atuando diretamente nos neurônios sinalizadores da dor.

Por se ligar a um receptor desses neurônios, esse pedaço do antraz pode ainda ser usado como um carreador capaz de levar outras substâncias analgésicas até as células neuronais.

"Não era esperado que o antraz pudesse ter efeito analgésico diretamente nos neurônios da dor. Isso ocorre porque um dos receptores das células neuronais relacionadas à dor tem alta afinidade com essa toxina. A ideia agora é usar esse pedaço não letal da toxina e associá-lo a outras substâncias para obter um efeito específico nos neurônios. Em tese, ele pode ser usado como um carreador para transportar compostos ativos até essas células neuronais, que costumam ser difíceis de serem alcançadas," explica o pesquisador Thiago Mattar Cunha.

Os experimentos até agora foram realizados em camundongos, em vários modelos de dor crônica, neuropática, inflamatória e de diferentes patologias.

"A expectativa é que, com mais estudos, seja possível no futuro produzir um novo tipo de analgésico, contendo uma parte da toxina antraz que atue de maneira mais específica nesse tipo de neurônio. Com isso, o medicamento poderia ser usado para diferentes dores patológicas que, infelizmente, não respondem a outros medicamentos," disse Thiago.

Lado bom do antraz

A toxina presente nos esporos da B. anthracis é composta por três proteínas diferentes: o fator de edema, o fator letal e o antígeno protetor (AP). Esta última funciona como uma chave que se liga ao receptor das células e é capaz de internalizar diferentes toxinas.

Como um grande colar de contas, as três proteínas que formam o antraz também podem se ligar umas às outras, em duplas, formando um pedaço do que é o antraz. Como a proteína AP (antígeno protetor) sozinha não tem efeito biológico, os pesquisadores utilizaram a combinação dessa proteína com o fator de edema, que também não mata.

"Além de descobrir que a AP se ligava aos receptores das células neuronais relacionadas à dor, constatamos que, quando a AP e o fator de edema são associados e injetados na via intratecal [no cérebro] dos camundongos, o composto chega ao gânglio da raiz dorsal, onde estão os neurônios relacionados à dor. E observamos que isso produzia analgesia," contou Thiago.

Além da associação da AP com o fator de edema, os pesquisadores também realizaram experimentos com diferentes compostos. Em um dos testes, a AP foi combinada à toxina botulínica, produzida pela bactéria Clostridium botulinum e usada em um procedimento estético conhecido como botox. Desse modo, os pesquisadores demonstraram que a AP fazia a "entrega" da toxina botulínica diretamente para as células neuronais relacionadas com a dor.

"Isso demonstra a capacidade da AP de transportar uma grande variedade de substâncias, drogas e outras toxinas até os neurônios relacionados à dor, o que no futuro pode abrir um leque grande de novos analgésicos, para diferentes tipos de patologia, que atuem diretamente nos neurônios sinalizadores da dor," avaliou o pesquisador.

Checagem com artigo científico:

Artigo: Anthrax toxins regulate pain signaling and can deliver molecular cargoes into ANTXR2+ DRG sensory neurons
Autores: Nicole J. Yang, Jörg Isensee, Dylan V. Neel, Andreza U. Quadros, Han-Xiong Bear Zhang, Justas Lauzadis, Sai Man Liu, Stephanie Shiers, Andreea Belu, Shilpa Palan, Sandra Marlin, Jacquie Maignel, Angela Kennedy-Curran, Victoria S. Tong, Mahtab Moayeri, Pascal Röderer, Anja Nitzsche, Mike Lu, Bradley L. Pentelute, Oliver Brüstle, Vineeta Tripathi, Keith A. Foster, Theodore J. Price, R. John Collier, Stephen H. Leppla, Michelino Puopolo, Bruce P. Bean, Thiago M. Cunha, Tim Hucho, Isaac M. Chiu
Publicação: Nature Neuroscience
DOI: 10.1038/s41593-021-00973-8
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