30/05/2008

Educação é a chave para a não-violência entre torcedores de futebol

Valéria Dias - Agência USP

Autonomia individual

A partir de entrevistas com torcedores comuns de futebol (que não fazem parte de torcidas organizadas) da cidade de São Paulo, o psicólogo Roberto Romeiro Hryniewicz constatou que existe a necessidade de a sociedade começar a pensar em uma educação voltada para a autonomia das pessoas, ou seja, que as faça pensar e agir por si mesmas, e que não apenas reproduzam idéias e ações sem refletirem sobre elas.

Lidando com as paixões

Esta é uma das conclusões de Hryniewicz em sua pesquisa de mestrado Torcida de futebol: adesão, alienação e violência apresentada no último dia 24 de abril ao Instituto de Psicologia da USP.

"Não é a paixão pelo futebol que causa a violência entre torcedores, mas sim a maneira como as pessoas lidam com essa paixão", afirma o psicólogo. "Muito provavelmente, quanto mais paixão e adesão existir ao esporte, mais homogêneo será o discurso da pessoa, ou seja, ela terá uma 'explicação padrão' para justificar suas atitudes e opiniões, que será semelhante a quase todos os membros daquele grupo", esclarece.

A importância do futebol na vida das pessoas

Em fevereiro de 2007, o psicólogo entrevistou oito moradores do Parque do Gato (a antiga Favela do Gato), na Zona Norte da Capital paulista, e outros oito moradores e trabalhadores do bairro da Aclimação. Todos os 16 participantes gostavam muito do esporte e eram torcedores de times de futebol.

O grupo foi dividido de acordo com a escolaridade: ensino médio completo (moradores e trabalhadores da Aclimação) e os que haviam cursado até a 8ª série do ensino fundamental (moradores do Parque do Gato). Eles responderam, individualmente, a perguntas envolvendo a freqüência com que assistiam aos jogos, se acompanhavam os noticiários dos times, etc., além de outras como "O que é torcer?", "Por que você torce para este time?", "O que este time representa para você?", "O que você menos gosta no seu time e por quê?" "Qual time você menos gosta e por quê?" e "O que você não gosta no outro time há no seu?".

Relação com a escolaridade

Ao analisar as respostas dos dois grupos, o psicólogo constatou que os entrevistados com mais escolaridade apresentaram um discurso mais homogêneo e semelhante na questão "o que é torcer?", com respostas mais "padronizadas", e mais demonstrações de preconceito contra os torcedores de times rivais, quando comparado com o grupo menos escolarizado.

Educação para a vida

De acordo com Hryniewicz, isso ocorreu porque "A educação, nos dias de hoje, é voltada para a heteronomia, cujo significado é oposto ao da autonomia: é a sujeição da pessoa à vontade de terceiros ou de uma coletividade", explica.

"Atualmente, a escola oferece uma pseudoformação, pois, entre outras coisas, ensina as pessoas a pensarem de uma mesma maneira e apenas a reproduzirem algo já pensado", aponta. Segundo o pesquisador, o grupo com menos escolaridade apresentou menos preconceito exatamente porque não sofreu a interferência dessa pseudoformação.

"A educação deve formar pessoas conscientes de suas escolhas e não totalmente massificadas; ela deve ser inclusiva e desenvolver a percepção do outro a partir da experiência e do contato com o diferente, e não exaltando a competição e a indiferença. Uma educação para a vida e não para o trabalho", sugere o psicólogo.

Adesão, alienação e violência

O pesquisador lembra que a adesão a um time é mediada pela sociedade (família, escola e mídia). Nos dois grupos de entrevistados, a adesão a um time de futebol aconteceu, na maioria das vezes, na relação com a família. "Porém, a mídia exerce quase tão grande influência nessa questão além de auxiliar na 'manutenção do torcer'", informa.

De acordo com Hryniewicz , em nenhum dos grupos houve demonstração de consciência de que a 'escolha' pelo time foi mediada socialmente. "Quase todos os torcedores afirmaram que se mantêm torcendo por questões emocionais e para esquecerem dos problemas", conta.

Questionamento das atitudes

Já a alienação é uma conseqüência da escolha feita sem questionamento, que leva, muitas vezes, a pessoa a se manter torcendo sem questionar essa atitude. "Muitos entrevistados, em ambos os grupos, afirmaram que assistir aos jogos era uma maneira de parar de pensar nos problemas, ou que representava o descanso após um dia de trabalho", exemplifica o pesquisador, lembrando que a "alienação já foi usada como instrumento de controle político na ditadura militar, por Getúlio Vargas, Hitler e Mussolini".

Barbárie

Essa adesão e alienação acabam levando a alguns tipos de violência (barbárie). "Esse torcedor se exalta ao falar do próprio time, mas não chega à violência física, comum às torcidas organizadas, porém ele já apresenta um certo descontrole em relação ao torcedor do time rival. Por exemplo, quando ele discute com um amigo e fica realmente nervoso ao falar sobre futebol, ou quando diz que membros de uma determinada torcida são todos iguais, demonstrando preconceito", aponta Hryniewicz.

 

Fonte: Diário da Saúde - www.diariodasaude.com.br

URL:  

A informação disponível neste site é estritamente jornalística, não substituindo o parecer médico profissional. Sempre consulte o seu médico sobre qualquer assunto relativo à sua saúde e aos seus tratamentos e medicamentos.
Copyright 2006-2023 www.diariodasaude.com.br. Cópia para uso pessoal. Reprodução proibida.