31/01/2022

Pós-verdade: Racionalidade declinou conforme linguagem passou para individualista

Redação do Diário da Saúde
Pós-verdade: Racionalidade declinou conforme linguagem passou para individualista
Exemplos de tendências no uso de palavras relacionadas à racionalidade (painel superior) versus intuição (painel inferior).[Imagem: Marten Scheffer et al. - 10.1073/pnas.2107848118]

Pós-verdade

A crescente irrelevância da verdade factual no discurso político pode não ser tão recente como se acreditava, sendo parte de uma tendência que começou décadas atrás, quando passou a ser importante o que o político diz, e não se o que ele diz reflete a realidade.

Embora essa "era da pós-verdade" tenha pego muitos de surpresa, pesquisadores dizem que, nos últimos 40 anos, o interesse público passou por uma mudança acelerada, do coletivo para o individual e da racionalidade para a emoção.

E essas mudanças, defendem eles, significaram uma relativização do que usualmente chamamos de "verdade".

Rumo à racionalidade e de volta à emotividade

Analisando a linguagem de milhões de livros, os pesquisadores descobriram que, inicialmente, palavras associadas ao raciocínio, como "determinar" e "conclusão", aumentaram sistematicamente a partir de 1850, enquanto palavras relacionadas à experiência humana, como "sentir" e "acreditar", declinaram.

Esse padrão se inverteu nos últimos 40 anos, paralelamente a uma mudança de um foco coletivista para um foco individualista, conforme refletido pela proporção de pronomes individualizantes, singulares e plurais, como "eu/nós".

"Interpretar essa mudança síncrona na linguagem dos livros continua sendo um desafio," disse o professor Johan Bollen, da Universidade de Indiana (EUA). "No entanto, como mostramos, a natureza dessa reversão ocorre tanto na ficção quanto na não-ficção. Além disso, observamos o mesmo padrão de mudança entre palavras sinalizando sentimento e racionalidade em artigos do New York Times, sugerindo que não é um artifício da linguagem dos livros que analisamos."

Fim do racionalismo?

Inferir o que está causando essa mudança nos padrões de longo prazo observados, de 1850 a 1980, está longe de ser fácil. Os próprios pesquisadores afirmam que tudo o que propõem para interpretar esse movimento é especulativo.

"Uma possibilidade, quando se trata das tendências de 1850 a 1980, é que os rápidos desenvolvimentos da ciência e da tecnologia e seus benefícios socioeconômicos levaram a uma ascensão do status da abordagem científica, que gradualmente permeou a cultura, a sociedade e suas instituições, desde a educação até a política. Como argumentado anteriormente por Max Weber [1864-1920], isso pode ter levado a um processo de 'desencantamento', à medida que o papel do espiritualismo diminuiu nas sociedades modernizadas, burocráticas e secularizadas," sugeriu o professor Marten Scheffer, da Universidade de Wageningen (Países Baixos).

O que causou precisamente a inversão observada da tendência de longo prazo, por volta de 1980, permanece talvez ainda mais difícil de identificar.

No entanto, segundo os autores, pode haver uma conexão com tensões decorrentes de mudanças nas políticas econômicas desde o início dos anos 1980, que podem ter sido defendidas com argumentos racionais, mas cujos benefícios não foram distribuídos igualmente. Com isto, a noção de se chegar a uma "verdade" por meio de argumentos racionais pode ter perdido um pouco do encanto junto à população.

Os pesquisadores também constataram que a mudança da racionalidade para o sentimento na linguagem dos livros se acelerou por volta de 2007, com o surgimento das mídias sociais, quando a frequência de palavras relacionadas a fatos caiu e a linguagem carregada de emoção aumentou, uma tendência paralela à mudança do coletivismo para a linguagem individualista.

 

Fonte: Diário da Saúde - www.diariodasaude.com.br

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