02/06/2008
Prescrição de drogas psicotrópicas é irracional para pacientes mas muito racional para indústria farmacêutica
David Healy
Propaganda de medicamentos
O psiquiatra inglês David Healy ataca frontalmente o hábito que os psiquiatras têm apresentado na prescrição de medicamentos psicotrópicos. Em artigo publicado na revista Psychotherapy and Psychosomatics, ele diz que os médicos são influenciados pela propaganda das grandes empresas farmacêuticas.
Comentando sobre um artigo de cientistas da Universidade de Harvard, sobre a psicologia do risco e as prescrições de medicamentos psicotrópicos, Healy denuncia uma crise real na psiquiatria atual:
Falta de independência
Em parte, isto tem suas raízes na falta de estudos independentes. Aliado a isto está a falta de acesso independente aos dados existentes e uma interpretação pouco sofisticada dos dados que estão disponíveis, feitas com base em modelos conceituais que parecem cada vez mais inadequados.
É importante que os médicos entendam a dinâmica que influencia suas opiniões, como é certamente o caso quando as companhias farmacêuticas constroem as percepções dos médicos baseando-se nos padrões de efeitos colaterais.
A posição básica de uma empresa farmacêutica é a de que os médicos não têm em suas cabeças outros pensamentos que não aqueles implantados por ela própria ou por seus concorrentes. E, a fim de implantar uma mensagem, ou deslocar a mensagem das empresas competidoras, elas empregam todos os meios mais sofisticados.
Medicamentos tão arriscados quanto cocaína
Considere a dinâmica da prescrição no campo das doenças mentais pediátricas. Por mais de 25 anos, a prescrição de estimulantes para crianças tem crescido exponencialmente - sobretudo nos Estados Unidos.
Neste caso, os médicos fazem malabarismos com padrões totalmente incompatíveis - de um lado, as anfetaminas e a cocaína são rotuladas como ameaças à civilização, enquanto compostos idênticos são dados aos cérebros mais vulneráveis, quando outras opções, em muitos casos, podem ter o mesmo resultado.
Antipsicóticos para crianças com desordem bipolar
Ou considere a florescente onda de prescrição de antipsicóticos para crianças na consideração de que elas têm desordem bipolar. Por 50 anos os antipsicóticos foram vistos como muito perigosos para serem usados a não ser como medicação secundária e foram largamente restritos àqueles pacientes com desordens psicóticas crônicas, onde o balanceamento entre os riscos e os benefícios justificava o tratamento.
Agora, uma nova geração de antipsicóticos, possivelmente ainda mais problemáticos, está sendo prescrita para crianças do jardim da infância, na América do Norte, na consideração de que elas podem tem uma desordem que praticamente todo o resto do mundo acredita que não ocorre em crianças.
Antidepressivos são tão bons quanto placebo
Além disso, os dados combinados de todos os testes de antidepressivos recentemente publicados pela FDA, aleatórios e controlados com placebo, mostram que 5 em cada 10 pacientes respondem ao tratamento ativo e que 4 em cada 10 pacientes respondem ao placebo.
Os médicos normalmente usam esses dados com indicativo de que essas drogas funcionam, quando os dados sugerem que 80% daqueles que aparentemente respondem aos antidepressivos também teriam respondido ao placebo, e somente 1 em cada 10 pessoas tem uma resposta específica ao tratamento ativo.
Ao invés de dizer ao paciente que responde ao tratamento que isto provavelmente teria acontecido mesmo se ele não tivesse tomado o medicamento, os médicos atribuem o resultado ao tratamento.
Medicina racional
Enquanto tudo o que nós temos atualmente é a aparência de evidência científica, mas não os dados reais sobre os estudos, os médicos não têm como superar os estereótipos e praticar a medicina baseada em uma análise racional das probabilidades.
Eles podem argumentar que estão seguindo as evidências, mas os médicos de fato são influenciados pela eminência das autoridades que eles ouvem, ou por jornais que eles lêem, e o conhecimento de muitos de seus colegas serão influenciados da mesma forma - até um ponto em que parece que essa influência supera a evidência que está diante dos seus olhos.
Mensagem do Dr. Pinel
Como resultado, a prática clínica está se afastando ainda mais da sabedoria enunciada por Philippe Pinel há mais de 200 anos: "É uma arte de não pouca importância a administração adequada dos medicamentos, mas saber quando suspendê-los ou mesmo omití-los é uma arte muito mais importante e de aquisição muito mais difícil."
Se ele se ativesse a essa mensagem, é duvidoso que Pinel pudesse estar hoje na seção de relações públicas de qualquer uma das companhias farmacêuticas atuais.
Fonte: Diário da Saúde - www.diariodasaude.com.br
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