20/06/2008

Casais que vivenciam o câncer feminino permanecem mais próximos

Luiza Caires - Agência USP

Câncer de mama

Pensando em minimizar a lacuna de estudos que olhem a perspectiva do casal que vivencia o câncer de mama feminino, a psicóloga Cintia Bragheto Ferreira realizou uma pesquisa com casais atingidos pelo problema. O estudo buscou principalmente investigar os sentidos construídos para a doença entre casais que permaneceram unidos na vivência dessa enfermidade.

Foram feitas entrevistas separadamente com 14 pessoas de sete casais (oficialmente casados ou não) cujas mulheres eram atendidas pelo Núcleo de Ensino, Pesquisa e Assistência na Reabilitação de Mulheres Mastectomizadas (REMA) da EERP, e que permaneceram juntos durante a doença e passado um ano do tratamento.

Tratamento para a família

A média de idade dos entrevistados foi de 62 anos, sendo que os que estavam unidos há mais tempo tinham 43 anos de casados. "Não foram entrevistados casais em que a paciente tinha metástase (quando o câncer se espalha para outros órgãos), já que, neste caso, a conversa tenderia a ficar muito focada na volta da doença", explica Cintia.

Apesar da superação, a trajetória relatada por estes casais reforçou a idéia da pesquisadora de que os serviços públicos de saúde não devem priorizar apenas a paciente, mas olhar também para os entes mais próximos, que passam por grande sofrimento.

Diagnóstico e tratamento

A partir de entrevistas semi-estruturadas (sem a presença de um questionário fechado, por se tratar de um estudo qualitativo) a psicóloga identificou três temáticas referentes aos sentidos do câncer e da conjugalidade: o câncer em si, que inclui a confirmação da enfermidade e a fase de tratamento, e a vida a dois na doença.

O momento de chegada da doença foi fortemente relacionado pelos casais ao sentido de sacrifício e ao desfecho de morte, ainda que atualmente os recursos terapêuticos para o tratamento do câncer sejam bastante eficazes quando o diagnóstico da doença é feito em seus estágios iniciais. Cintia conta que "culturalmente, o câncer ainda é associado à idéia de 'castigo', então os casais se revoltam por julgar não 'merecer' passar por aquela situação." Percebeu-se também a presença da religião e a relação dos casais com a idéia de Deus.

Valores tradicionais

Na fase do tratamento, foi constatado que a ajuda dos maridos consistia principalmente em levar a esposa aos locais de tratamento. "Lidamos com casais mais velhos, influenciados por valores tradicionais, nos quais as tarefas domésticas são esperadas da figura feminina, então, em geral, estas ficavam a cargo de uma empregada. Da mesma maneira, cuidar dos doentes está tradicionalmente relacionado à mulher, e no grupo estudado tarefas como ajudar no banho e fazer curativos eram desempenhadas por uma parente", relata a psicóloga.

Sexualidade

Sobre a questão da diminuição das relações sexuais nas mulheres que passaram por mastectomia (cirurgia para retirada de parte ou totalidade da mama), Cintia ressalta que não é possível atribuir este fato somente ao câncer e à operação: "em se tratando de casais mais velhos também temos de levar em conta mudanças próprias à idade, como ressecamento vaginal na mulher e dificuldades de ereção para o homem".

O sentido do casamento

Em relação à idéia de casamento, foi perguntado a cada um dos parceiros o que era para ele ser marido, e o que era para ela ser esposa, e percebeu-se que a questão do câncer influenciou nos conceitos de ambos. Alguns maridos, por exemplo, citavam que um de seus papéis era manter a fidelidade mesmo na doença - remetendo ao juramento que é realizado durante a cerimônia religiosa, e à crença de que os parceiros devem ficar juntos "até que a morte os separe". O "ser esposa" para as mulheres refletiu a crença na completude recíproca do casal e no papel da mulher ligado ao cuidado da casa e de seus membros.

Os casais relataram maior proximidade após o evento da doença, mas também disseram que os sentimentos mais íntimos dos dois em relação ao câncer não foram divididos - e essa ocultação parece ter sido uma medida para não afetar os laços conjugais, como explica a pesquisadora: "Não revelar o que estavam sentindo em relação ao que estava acontecendo, ser tolerante, paciente e 'fazer vistas grossas' foram relatados tanto pelos homens como pelas mulheres".

Superação

"Notamos que os casais entrevistados conseguiram superar a doença sem ajuda profissional, baseados em valores típicos da moral que rege os relacionamentos no século XX. O que não quer dizer que isso possa ser generalizado, já que cada um lida à sua maneira com as situações. Se tivéssemos entrevistado casais mais jovens, por exemplo, pode ser que dissessem que o correto é que o casal viva tudo em conjunto, e relate ao outro todos seus sentimentos, como acontece com o que chamamos de 'casais grávidos', em que o marido acompanha a gestante em todas as etapas da gravidez, e às vezes até engorda com ela. E nada impede que este modelo pudesse ser eficaz no enfrentamento de uma doença."

Construcionismo social

Para efetivar o estudo, analisando as saídas construídas pelos casais nesta situação, a psicóloga utilizou bibliografia e conceitos do chamado "construcionismo social". "O construcionismo social postula que construímos sentidos para nossas vidas articulados com as relações sociais que estabelecemos ao longo de nossa existência, sempre contextualizados com o momento histórico e cultural vivido", conclui.

A pesquisa foi realizada com apoio da Coordenação de Aperfeiçoamento de Pessoal de Nível Superior (Capes), e resultou na tese de doutorado Sentidos construídos para o relacionamento conjugal na vivência do câncer de mama feminino, defendida em novembro de 2007 na EERP.

 

Fonte: Diário da Saúde - www.diariodasaude.com.br

URL:  

A informação disponível neste site é estritamente jornalística, não substituindo o parecer médico profissional. Sempre consulte o seu médico sobre qualquer assunto relativo à sua saúde e aos seus tratamentos e medicamentos.
Copyright 2006-2023 www.diariodasaude.com.br. Cópia para uso pessoal. Reprodução proibida.