25/06/2010

Dióxido de carbono melhora conservação do leite longa vida

Isabel Gardenal - Jornal da Unicamp

Leite com CO2

Estudo desenvolvido na Faculdade de Engenharia de Alimentos (FEA) da Unicamp concluiu que a conservação do leite cru com dióxido de carbono (CO2) pode melhorar a estabilidade do leite pasteurizado (UHT), que responde hoje por 75% do leite consumido no Brasil.

Isso acontece porque o CO2 inibe microorganismos na etapa de resfriamento que vão causar defeito no produto, além de prevenir a sua gelificação, que é o início de sua deterioração físico-química e um dos maiores obstáculos para a sua qualidade, segundo a autora da pesquisa, Priscila Cristina Bizam Vianna.

Gelificação

A gelificação é o processo em que o leite forma um gel no fundo da caixa, perdendo inclusive a sua fluidez. Isso acontece em geral durante a vida de prateleira do UHT (Ultra-High Temperature: temperatura ultra alta).

A legislação brasileira, no entanto, proíbe a adição de quaisquer produtos ao leite cru. A justificativa contra a adição é que ela é considerada uma fraude.

Conservação do leite

Na investigação, realizada entre 2008 e 2010 sob a orientação da professora Mirna Gigante, a engenheira de alimentos trabalhou com a avaliação do leite cru e do longa vida (UHT).

O leite cru foi armazenado em tanques de expansão, simulando uma situação semelhante à que ocorre com produtores de leite de entrepostos de armazenamento.

O leite foi armazenado por seis dias, sob duas condições: uma com adição de CO2 e outra sem adição, a uma temperatura de 4ºC, que é a indicada para conservação do leite.

Decorrido esse tempo, o leite foi processado como leite UHT, que tem em sua composição 3% de gordura, 2,5% de proteínas, 12% de sólidos totais e 85% de água, sendo obtidas duas amostras para avaliação físico-química e do comportamento da vida de prateleira durante 120 dias. "Esta vida de prateleira foi estipulada com base no que é praticado no mercado, sendo contada a partir da data do seu processamento", relata Vianna.

Os experimentos da tese não foram feitos em embalagens cartonadas, por não se dispor deste tipo de envase. "Trabalhamos com sacos plásticos de polietileno, como os usados para o leite pasteurizado, porém com o envase asséptico, que mantém a esterilidade deste produto como se ele estivesse numa caixa de leite UHT", descreve Vianna.

Leite UHT

O que faz o leite UHT ser o mais consumido no Brasil, aponta ela, é que ele não somente consegue ser conservado em temperatura ambiente, mas também tem uma vida de prateleira maior.

Comparando-se o leite UHT com o leite pasteurizado, em que a vida de prateleira é de no máximo dez dias, Vianna atesta que este último não é a realidade do mercado nacional.

"O leite UHT entrou com grande força no mercado na década de 90, pois não tem necessidade de ser conservado na geladeira", constata Mirna.

Ele respondia por uma pequena fatia do mercado: 4%. Hoje detém quase 80%. É um crescimento elevado em sua avaliação, justamente porque o tratamento térmico aplicado a esse produto, desde que embalado adequadamente, permite a sua conservação por até 180 dias.

Dióxido de carbono no leite

Teoricamente, é sabido que o dióxido de carbono pode ser empregado no leite cru para inibir o desenvolvimento de microorganismos. Quando adicionado ao leite, ele abaixa o seu pH.

No processo desenvolvido por Vianna, o CO2 é eliminado do leite antes do processamento e após a conservação, voltando ao seu pH normal. "O leite normal apresenta uma faixa de variação de pH entre 6,7 e 6,8. Então abaixamos dessa faixa para um pH 6,2", relata Vianna.

Para a legislação, a adição do CO2 ao leite cru se caracteriza mesmo como uma fraude, embora seu uso não prejudique a saúde, uma vez que é eliminado no processo. Não significa que o produto não se conserve, afirma Mirna. O que está em jogo é a sua ilegalidade.

"O uso da água oxigenada, por exemplo, foi uma fraude descoberta no leite cru. Os fraudadores ainda incluíam no produto citrato, açúcar e sal. Foi a chamada operação Ouro Branco", alude-se Mirna, relembrando o episódio recente. O objetivo era aumentar o volume do produto, o prazo de conservação e a recuperação do leite impróprio para o processamento.

CO2 como conservante

O trabalho desenvolvido na FEA, conta Vianna, teve apenas finalidade de pesquisa, seguindo condições de planta-piloto. Isso porque o dióxido de carbono é uma opção para a conservação do leite de "boa qualidade". Ela acredita, entretanto, que a legislação sobre o tema possa avançar, particularmente se houver interesse da indústria.

É algo viável, apesar de não ser novidade. "O que não existe na literatura é a produção do leite UHT obtido pelo leite cru conservado pelo dióxido de carbono. Este foi o diferencial do trabalho da Priscila", lembra Mirna.

O dióxido de carbono já é reconhecido como um conservante empregado para outras situações. É o mesmo dióxido presente no refrigerante (só que não sob pressão). Logo, não há nenhuma proibição neste sentido, exceto quanto à adição de dióxido de carbono em leite cru.

Microorganismos psicrotróficos

"A grande dificuldade na obrigatoriedade do resfriamento do leite - e aqui não estamos legislando contra ele, isso porque o resfriamento é a melhor maneira de conservação - é que o leite resfriado por muito tempo pode levar ao desenvolvimento de microorganismos como os psicrotróficos, que crescem em leite frio, a 7°C", comenta Mirna, "e vão causar defeito no produto depois de processado, lá na prateleira do supermercado".

O dióxido de carbono, menciona ela, serve para inibir a proliferação destes microorganismos. "O CO2 é adicionado ao leite cru, conserva o produto, é expulso antes do processamento e resulta num produto processado de vida útil maior. Vale como um ajudante deste processo." Um dos principais impedimentos para a vida de prateleira do produto processado é a qualidade do leite cru e, quando se trabalha com uma matéria-prima de baixa qualidade, é certo que não terá uma vida de prateleira longa sem que ocorram defeitos nesse produto.

A contaminação pelos microorganismos psicrotróficos vem das más condições de higiene durante a ordenha e do armazenamento inadequado do leite, expõe Vianna. "São os tanques mal-higienizados, inclusive com resíduos de água de lavagem. Esses micro-organismos vão se desenvolvendo aos poucos, contaminando o leite e, especialmente, produzindo enzimas que não são destruídas no tratamento térmico. E continuam atuando nos produtos processados."

Viscosidade de iogurte

A gelificação do leite UHT começa como um espessamento, aumentando a sua viscosidade. Ele vai perdendo a sua fluidez e as suas características originais, deteriorando-se por aspectos físico-químicos, não microbiológicos. "E o que os consumidores esperam, ao abrir uma caixa de leite longa vida, é que ele esteja fluido - não com uma viscosidade própria dos iogurtes."

O tempo para a gelificação não é algo pontual, discute Mirna, e não existe uma resposta na literatura sobre o momento exato da sua ocorrência. O problema depende do tipo de contaminante, sobretudo os psicrotróficos. Os mais observados são as Pseudomonas spp., particularmente P. fluorescen, de diferentes cepas.

As enzimas produzidas por esses microorganismos provocam a desestabilização da proteína, o que resulta no seu rearranjo e consequente gelificação. "É uma microbiota complexa. Se fosse apenas um microorganismo isolado, seria fácil de controlar", relativiza Mirna.

Esse tempo, refere a orientadora, está descrito na literatura como provavelmente relacionado à qualidade da matéria-prima: quanto melhor for ela, maior será a sua vida de prateleira posterior. Como o produto é comercialmente estéril, não tendo microorganismos ou esporos no leite UHT, posto que ele sofre a ultra-alta temperatura que os destrói, ele é estável do ponto de vista microbiológico. O que limita a sua vida de prateleira são as alterações físico-químicas, especialmente a gelificação.

Qualidade do leite

Em visita técnica realizada a uma indústria, Mirna perguntou aos dirigentes por que eles não davam seis meses de vida de prateleira, levando em conta que cumpriam as condições ideais de produção? A resposta foi que, se houver o problema da gelificação, o leite já estará comercializado.

"Então a gelificação acaba sendo um limitante para a indústria, e o início desta limitação está na base da cadeia", revela. "O processo não faz milagre. Ele até conserva a matéria-prima, contudo, se resfrio leite cru de boa qualidade, vou ter no tanque leite resfriado de boa qualidade. Se resfrio leite de qualidade ruim, eu tenho um leite de qualidade ruim resfriado. Assim sendo, a qualidade do produto final começa no início da cadeia produtiva, na produção primária do leite."

Desde o estabelecimento da Instrução Normativa 51/2002 do Ministério da Agricultura, Pecuária e Abastecimento (Mapa), que passou a vigorar em 2005, o leite cru tem sido sistematicamente avaliado em todo o território nacional, através de vários laboratórios de referência espalhados pelo Brasil. O país figura como o sexto produtor de leite do mundo e, de acordo com Mirna, ele está cuidando da sua qualidade. O Brasil está inserido no seleto grupo de dez países que produz 50% do leite mundial.

 

Fonte: Diário da Saúde - www.diariodasaude.com.br

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