04/06/2014

Por que o progresso não acaba com a desigualdade econômica?

Baseado em artigo de Carlos Orsi - Unicamp

Por que, apesar de todos os progressos científicos e tecnológicos, do desenvolvimento econômico e das preocupações com a ética e com o bem-estar, continuamos a conviver com a desigualdade econômica?

É o incômodo natural gerado por estas questões que está por detrás de uma série de artigos - incluindo reportagens e revisões da literatura científica - publicados pela revista Science.

As questões abordadas vão da psicologia da pobreza à transmissão da desigualdade entre as gerações.

"Um diálogo internacional surgiu em torno da questão" da desigualdade, diz a introdução dessa sequência de artigos, "juntamente com alguns dados científicos que o alimentam".

Sem tendências inexoráveis

O primeiro texto, com o título "Desigualdade no Longo Prazo", é assinado por Thomas Pikkerty e Emmanuel Saenz.

Eles se valem de dados históricos e estatísticas para afirmar que a desigualdade de renda e riqueza era muito alta um século atrás, principalmente na Europa, e caiu dramaticamente na primeira metade do século XX.

Contudo, "a desigualdade de renda voltou a aumentar nos Estados Unidos desde os anos 70, de forma que os EUA são, hoje, muito mais desiguais do que a Europa".

O artigo resume os dados e metodologias usados por Pikkerty em seu best-seller O Capital no Século XXI, incluindo a análise da relação entre o crescimento da rentabilidade do capital, da economia como um todo e da desigualdade.

E conclui: "A desigualdade não segue um processo determinístico. De certo modo, tanto Marx quanto Kuznets [Simon Kuznets (1901-1985), economista ganhador do Nobel que defendia que a desigualdade tende naturalmente a diminuir numa economia de mercado] estavam errados. Há forças poderosas empurrando, alternadamente, na direção de maior ou menor desigualdade. Quais dominam depende das instituições e políticas que a sociedade decide adotar".

Desigualdade e diploma

O economista David Autor, do MIT, chama atenção para o que ele considera o principal fator de desigualdade dentro dos "outros 99%" da população, numa referência à divisão, feita pelo movimento Occupy, entre o 1% mais rico e os demais cidadãos: "O crescimento dramático do diferencial salarial associado à educação superior e à capacidade cognitiva".

David analisa especificamente a situação nos Estados Unidos e outros países desenvolvidos, mas sua discussão pode ter relevância para o Brasil: dados do IBGE do ano passado mostravam que um trabalhador brasileiro com nível superior ganhava, em média, 220% a mais que um brasileiro com menos estudo. E um relatório da OCDE, publicado em 2011, já apontava o Brasil como o país onde o diploma de nível superior mais eleva a perspectiva de renda do trabalhador.

O economista levanta dados que o levam a concluir que o diferencial salarial dos trabalhadores mais qualificados e a perda de renda dos menos educados resulta fundamentalmente de pressões de oferta e demanda - incluindo a crescente substituição do trabalho pouco intelectualizado por máquinas e computadores - mas afirma que há, também, fatores de política pública que influenciam o movimento, como o valor do salário mínimo, o poder de negociação dos sindicatos e a política tributária.

Crescimento e desigualdade

A relação entre crescimento econômico, desigualdade e pobreza nos países em desenvolvimento é complexa e depende da medida de desigualdade que se utiliza - se absoluta ou relativa - escreve o economista Martin Ravallion, da Universidade Georgetown.

No geral, o crescimento econômico do mundo em desenvolvimento, incluindo países como Índia e Brasil, tem sido neutro em termos de impacto sobre a desigualdade relativa, mas vem agravando a desigualdade absoluta.

Ravallion explica a diferença entre essas medidas com o seguinte exemplo: "Se a distribuição de renda entre duas pessoas muda de US$ 1.000 e US$ 10.000 para US$ 2.000 e US$ 20.000, a desigualdade relativa não muda, mas o abismo absoluto entre o rico e o pobre dobrou".

Só que, ao mesmo tempo em que aumenta a desigualdade absoluta, o crescimento tende a reduzir a pobreza extrema e a miséria, o que pode gerar uma tensão entre políticas de combate à miséria e políticas de redução da desigualdade. E mesmo o efeito de redução da pobreza do crescimento é atenuado, no entanto, se a desigualdade inicial da sociedade já for grande demais.

"Quanto mais desigual for a distribuição original, menor a fatia do crescimento que vai para os pobres, e menor a queda de desigualdade gerada pelo crescimento," conclui ele.

 

Fonte: Diário da Saúde - www.diariodasaude.com.br

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