21/01/2013

Tristeza e ansiedade não são doenças mentais

Peter Kinderman, professor de Psicologia Clínica - BBC

Problemas humanos, não doenças

A próxima edição do Manual Psiquiátrico norte-americano vai aumentar o número de pessoas na população em geral diagnosticadas com uma doença mental.

Mas o que essas pessoas necessitam é de ajuda e compreensão, e não de rotulações e medicamentos.

Muitas pessoas experimentam um processo de luto profundo e duradouro após a morte de um ente querido. Muitos soldados que regressam de um conflito sofrem de trauma.

Muitos de nós somos tímidos e ansiosos em situações sociais, ou desmotivados e pessimistas quando estamos desempregados ou não gostamos de nossos trabalhos.

Para uns poucos de nós, experiências de abuso ou falha nos levam a sentir que a vida não vale a pena.

Precisamos reconhecer essas verdades humanas e precisamos oferecer ajuda.

Mas não devemos considerar essas experiências humanas como sintomas de uma doença mental.

Diagnósticos psiquiátricos

Diagnósticos psiquiátricos não são só cientificamente inválidos, eles também são prejudiciais.

A linguagem da doença implica que as raízes dessas angústias emocionais fundamentam-se em anormalidades em nosso cérebro e em nossa biologia, comumente chamados de "desequilíbrios químicos".

Isso nos torna cegos para as causas sociais e psicológicas dessas angústias.

Mais importante, temos a tendência de prescrever soluções medicamentosas - antidepressivos e antipsicóticos - apesar dos significativos efeitos colaterais e as comprovações pobres de sua eficácia.

Isso está errado.

Nós não devemos diagnosticar muito mais pessoas com "doenças mentais" sem sentido, dizendo-lhes que estas decorrem de anormalidades cerebrais, e prescrever medicações.

Vício em internet e birra de criança vão virar doenças

Um Manual de Psiquiatria norte-americano, extremamente influente, utilizado por médicos e pesquisadores para diagnosticar e classificar transtornos mentais, foi atualizado e está agendado para publicação em maio de 2013.

Mas esta última edição do Manual de Diagnóstico e Estatística da Associação Americana de Psiquiatria, ou DSM-5, só vai tornar ainda pior uma situação que já é ruim, porque vai baixar muitos limiares de diagnóstico e aumentar o número de pessoas na população em geral vistas como tendo uma doença mental.

O novo diagnóstico de "transtorno da desregulação perturbadora do humor" vai transformar birras de crianças em sintomas de uma doença mental.

O luto normal se tornará "transtorno depressivo grave", o que significa que as pessoas receberão diagnóstico e receita de remédios quando perderem entes queridos.

Os critérios para "transtorno de ansiedade generalizada" serão significativamente relaxados, transformando as preocupações da vida cotidiana em alvos para tratamento médico.

Limiares de diagnóstico mais baixos vão gerar mais diagnósticos de "distúrbio de déficit de atenção adulto", o que poderá levar à prescrição generalizada de drogas estimulantes.

Uma vasta gama de comportamentos humanos infelizes, assuntos de muitas decisões de mudança de comportamento de Ano Novo, vão se tornar doenças mentais - comer muito será "desordem de comer demais", e a categoria de "vícios de comportamento" será significativamente ampliada para incluir "distúrbios" como "dependência de internet" e "vício em sexo".

Estigma de diagnóstico

Os diagnósticos psiquiátricos padrão são notoriamente inválidos - eles não correspondem a grupos significativos de sintomas no mundo real, apesar da óbvia importância que estes deveriam ter.

Os diagnósticos psiquiátricos não conseguem prever a eficácia de tratamentos específicos e não se sobrepõem claramente a processos biológicos.

Nos atuais sistemas de saúde mental, o diagnóstico é muitas vezes visto como necessário para ter acesso aos serviços.

No entanto, o diagnóstico também estabelece o cenário para o uso indevido e excessivo de intervenções médicas, como medicamentos antipsicóticos e antidepressivos, que têm efeitos colaterais a longo prazo preocupantes.

As evidências científicas sugerem fortemente que experiências angustiantes não resultam de "falhas no cérebro", mas de interações complexas entre fatores biológicos, mas mais importante, entre fatores sociais e psicológicos.

Mas o diagnóstico e a linguagem de doença biológica obscurecem o papel causal de fatores como abuso, pobreza e privação social. O resultado é frequentemente mais estigma, mais discriminação e mais exclusão social.

Abordagem terapêutica

Existem alternativas humanas e eficazes para os diagnósticos psiquiátricos tradicionais.

É relativamente simples gerar uma lista de problemas que podem ser definidos de forma segura e válida. Não há razão para supor que esses fenômenos se agrupem em categorias de diagnóstico ou são consequências de doenças subjacentes.

Podemos, então, usar a ciência médica e psicológica para entender como os problemas podem ter-se originado, e recomendar soluções terapêuticas.

Esta abordagem produziria todos os benefícios da abordagem atual de diagnóstico-e-tratamento, sem suas muitas e perigosas insuficiências.

 

Fonte: Diário da Saúde - www.diariodasaude.com.br

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