10/08/2011

Interesses econômicos estão tentando reavivar conceito de raça

Hilary Hurd Anyaso

Remédio por raça

Em 2005, a FDA (Food and Drug Administration), o órgão de saúde dos Estados Unidos, equivalente à Anvisa no Brasil, aprovou um medicamento chamado BiDil.

O medicamento foi aprovado como uma terapia para insuficiência cardíaca especificamente para pacientes Africano-Americanos.

A FDA afirmou em um comunicado à imprensa que isto representava um passo em direção à "medicina personalizada".

Conceito de raça

Mas a Dra. Dorothy Roberts, professora da Universidade Northwestern, nos Estados Unidos, aponta para a comercialização dessa droga como um exemplo notório de recentes esforços científicos para ressuscitar o conceito de raça como uma categoria biológica, em vez de um agrupamento político.

"A FDA emprestou credibilidade à ideia de que raça é uma categoria biológica, escrita em nossos genes, embora não houvesse nenhuma evidência no ensaio clínico que o BiDil funcionasse de forma diferente em pessoas com genótipos diferentes, ou que funcionasse de forma diferente em afro-americanos do que em pessoas de outras raças," disse Roberts.

O argumento é parte de seu livro "Fatal Invention: How Science, Politics and Big Business Re-create Race in the Twenty-First Century" - Invenção Fatal: Como a Ciência, a Política e as Grandes Empresas Recriaram a Raça no Século Vinte e Um, ainda sem tradução no Brasil. O livro foi lançado neste mês de Julho.

Reinventando as raças

O livro se concentra nas formas que alguns cientistas e empresas de biotecnologia estão usando para tentar vender uma versão atualizada de raça como uma classificação biológica.

Eles estariam usando a ciência e as tecnologias de ponta na área da genômica, o que inclui estudos de agrupamentos genéticos (gene clustering), pesquisas biomédicas sobre as causas genéticas das disparidades de saúde, tratamentos específicos por raça e testes de ancestralidade.

Nos séculos passados, cientistas criaram tipologias dividindo a espécie humana em raças biológicas.

Mas, mais de uma década atrás, o Projeto Genoma Humano mostrou que os seres humanos não são naturalmente divididos em raças.

Ciência racial

A Dra. Roberts analisa as consequências contemporâneas de uma nova ciência racial que defende a existência de diferenças raciais no nível molecular, numa época em se acreditava estarmos em uma suposta sociedade "pós-racial".

Para ela, essa prática está colocando ciência, direito, comércio e ideologias raciais sob o mesmo guarda-chuva.

"O que eu mais quero é que os leitores entendam que a raça é um sistema político inventado - não uma divisão biológica natural," afirma a pesquisadora. "Em vez de procurar por diferenças raciais em nossos genes, devemos afirmar a nossa humanidade comum. É fundamental que nós encerremos as divisões sociais injustas que nos separam."

Interesses econômicos nas raças

Quando o BiDil foi desenvolvido, a droga não foi pesquisada para atender a qualquer raça específica. Mas foi anunciada como uma droga específica por raça para ajudar o inventor a obter uma extensão de sua patente, disse Roberts.

Independentemente da motivação para o desenvolvimento de tecnologias específicas por raça, Roberts afirma que definição biológica subjacente alimenta desigualdades baseadas na raça.

"Isso permite que as pessoas sejam apáticas e até mesmo sintam-se confortáveis em relação à desigualdade racial, sem assumir qualquer responsabilidade em relação ao racismo em nossa sociedade," disse ela.

"Isso apoia a ideia de que diferenças no bem-estar, na saúde, na educação e em outros aspectos do status social teriam algum fundamento em diferenças naturais, em vez de em uma desigualdade do sistema [político-econômico]."

A cientista enfatiza que, hoje, o incentivo financeiro para manter uma crença nas raças como uma distinção biológica é forte. "Produtos à base de genes podem ser desenvolvidos e comercializados de acordo com a raça se as pessoas acreditarem que a raça é algo biológico," explica.

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