17/06/2016

Democracia: como juntar liberdade de expressão, mídias sociais e verdade?

Com informações da New Scientist
Liberdade de expressão e mídias sociais: Como salvar a verdade?
As bolhas de informação são uma questão concreta e complexa, que exigirá capacidade de diálogo, compreensão e, eventualmente, alguma legislação, para ser superado.
[Imagem: Dimitar Nikolov]

Lavagem de matemática

O que têm em comum a candidatura de Donald Trump nos EUA, o plebiscito para definir se a Inglaterra sai ou não da União Europeia e a queda de Dilma Rousseff no Brasil?

Como em qualquer guerra - e, em todos esses casos, os ativistas de cada lado têm-se comportado como se estivessem em uma guerra real - em todos esses casos a primeira vítima foi a verdade, com o "debate político" não apenas empobrecido, mas cada vez mais baseado em notícias simplesmente falsas.

A dissimulação de informações assumiu um patamar tão significativo que os psicólogos cunharam um novo termo - "lavagem de matemática", em alusão à lavagem de dinheiro, em que criminosos usam truques para fazer o dinheiro ilegal e sujo parecer dinheiro legal e limpo.

A lavagem de matemática envolve o uso de estimativas vagas, mas expostas como previsões firmes e que, quando veiculadas por veículos jornalísticos legítimos, trazem apenas uma pequena advertência de margem de erro nas letras miúdas, advertência essa que desaparece completamente quando a estimativa vira "verdade" nas reproduções das redes sociais. Mas há também reivindicações claramente enganosas, apresentadas de maneira cativante, cuidadosamente projetadas para se espalhar mais rápido do que os esforços para desmascará-las.

A morte da política

A Comissão de Finanças do Reino Unido encomendou um estudo chamado "Brexitologia: o que a ciência diz sobre o referendo da UE no Reino Unido", que concluiu que a questão não será decidida com base em argumentos sensatos, mas pelos "atalhos cognitivos" que a população abraça quando está sem saber a coisa certa a fazer.

A verdade também tem sido uma vítima da candidatura de Donald Trump para se tornar o candidato presidencial dos republicanos nos EUA. Seus pronunciamentos, muitas vezes feitos usando o megafone das mídias sociais, têm mostrado pouca fidelidade, quer com o mundo real, quer com seus próprios pronunciamentos anteriores.

No Brasil, morto o debate político muito antes das votações no Congresso, o que se viu foi o que os especialistas agora começam a chamar de "onda de ódio" que tomou conta de uma população tipicamente serena e pouco ativa no debate e na militância política. População essa que agora se diz estarrecida ao ver o poder mudar para mãos que não parecem mais limpas do que aquelas de que saiu. Um fato que a imprensa estrangeira se diz incapaz de descrever, já que um e outro eram não apenas aliados, mas "juntos no poder"; logo, não haveria porque haver expectativa de mudança.

Populistas em todo o mundo têm adotado táticas semelhantes. Seus oponentes não podem alegar que eles careçam de legitimidade democrática: a sua própria popularidade demonstra que eles têm aproveitado a raiva, a frustração e até o patriotismo dos eleitores que sentem que suas preocupações foram de alguma forma ignoradas. O problema é que esses populistas têm feito isso em benefício próprio.

Verdades convenientes

Mas a aptidão e a capacidade dos políticos demagogos para ocupar cargos públicos podem e devem ser questionadas - seja nos EUA, na Inglaterra, no Brasil ou em qualquer outro lugar. As mídias sociais lhes permitem criar mensagens que voam, ou viralizam, em alguns círculos, ainda que façam pouco sentido para quem está de fora.

Será que os políticos estão ainda mais desonestos do que de costume, ou será que simplesmente foram presenteados com mecanismos que os ajudam a validar sua desonestidade, não apenas com o dinheiro público, mas também com a verdade?

Tem havido sérias preocupações de que a personalização na internet poderia criar "bolhas de filtragem", nas quais as pessoas só veem o que se encaixa em seus pontos de vista, sequer verificando qualquer ponderação ou ponto de vista contrário. Essa parte da população adere de bom grado não apenas às "verdades convenientes", mas também a mitos e distorções, propagados por algoritmos dos sites das redes sociais que lhes dão destaque por popularidade, não pela veracidade.

Isso poderia explicar as radicalizações e as "ondas de ódio" que, em última instância, representam a própria negação da democracia, baseada na convivência e na aceitação do outro.

Política pós-verdade

Outro termo que os especialistas cunharam ao pensar esta situação é "política pós-verdade", para descrever o quadro no qual o direito à liberdade de expressão se transformou na capacidade de dizer e espalhar qualquer coisa, não importando quão tola ou perigosa ela seja.

O mundo ocidental já viveu isso antes. Quando a impressão se tornou amplamente disponível, em 1600, houve um boom na panfletagem, com publicações muitas vezes denunciando inimigos políticos e sociais em termos mordazes e caluniosos. A guerra civil inglesa e a guerra da independência dos EUA tiveram na panfletagem um elemento fomentador essencial.

Será que estamos na iminência de uma "revolução dos políticos"?

A ideia de que a fusão da tecnologia e da mídia possa ter resultados revolucionários - desta vez uma revolução liderada pelos políticos, e não pelos proletários - é alarmante para os conservadores e para aqueles que preferem o status quo. Talvez por isso, em várias partes do mundo tem havido apelos para que os novos titãs da mídia sejam controlados e devam se submeter a legislações específicas.

De fato, as mídias sociais não podem continuar se esquivando de suas responsabilidades. Mas a resposta final pode não estar em policiar as mídias sociais em busca de mentiras e meias-verdades, mas em acabar com as bolhas de filtragem e conversar com aqueles que discordam de nós. Porque precisamos que a democracia seja mais do que apenas um concurso de popularidade.

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