29/04/2021

A sociedade está pronta para lidar com a fabricação de cérebros em laboratório?

Redação do Diário da Saúde
A sociedade está pronta para lidar com a fabricação de cérebros em laboratório?
"A preocupação não é tanto com uma humanização biológica do animal, o que pode acontecer com qualquer organoide, mas uma humanização moral, que é exclusiva do cérebro." [Imagem: Tsutomu Sawai]

Organoides

Partindo de células-tronco, cientistas já fabricaram células cardíacas, cerebrais e muitas outras, que agora estão transplantando para pacientes como uma forma de terapia celular.

A visão de futuro é que um dia possa ser possível transplantar não apenas células, mas órgãos inteiros.

Contudo, conforme esses chamados "organoides" começam a ser sintetizados em laboratório, cria-se também a possibilidade de realização de experimentos "perigosos".

Um grupo internacional de pesquisadores se reuniu para discutir o tema e fazer um levantamento das implicações éticas desse tipo de pesquisa.

Eles focaram sobretudo nos organoides do cérebro, uma estrutura viva feita em laboratório que é projetada para crescer e se comportar como o cérebro.

Também conhecidos como minicérebros, eles se tornaram mais conhecidos a partir das pesquisas do vírus zika.

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Este minicérebro desenvolveu células da retina em laboratório.
[Imagem: IDOR]

Sede da consciência

Os organoides são estruturas semelhantes a órgãos, muito mais simples, é claro, mas capazes de imitar o modo como os órgãos se formam no corpo.

Sendo construídos de modo a imitar o desenvolvimento natural, os organoides provaram ser ferramentas valiosas para entender não apenas como os órgãos crescem, mas também como as doenças se desenvolvem. Cientistas já criaram organoides para uma variedade de órgãos, incluindo, mais controversamente, o cérebro.

Acontece que o cérebro é considerado pelos cientistas como a fonte da nossa consciência e da nossa memória. Portanto, se os organoides cerebrais realmente imitam o cérebro, eles também teriam potencial para desenvolver a consciência, o que traz todos os tipos de implicações éticas e morais.

Com alguns pensadores e cientistas apregoando abertamente um futuro onde nossos cérebros serão transmitidos e mantidos na nuvem depois que nossos corpos morrerem, os organoides trazem uma oportunidade de testar a consciência e a moralidade em ambientes artificiais.

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Já se demonstrou que os minicérebros são afetados pelas drogas psicodélicas.
[Imagem: Vanja Dakic et al. - 10.1038/s41598-017-12779-5]

"A consciência é uma propriedade muito difícil de definir. Não temos técnicas experimentais muito boas que confirmem a consciência. Mas mesmo que não possamos provar a consciência, devemos estabelecer diretrizes, porque os avanços científicos exigem isso," disse o professor Tsutomu Sawai, da Universidade de Kyoto (Japão).

Consciência

Os especialistas em ética dividiram a consciência em muitos tipos. Por exemplo, a consciência fenomenal pressupõe a percepção da dor, do prazer e da angústia.

Sawai e seus colegas argumentam que, embora sejam necessárias restrições aos experimentos com organoides cerebrais, a consciência fenomenal não proibiria totalmente os experimentos, uma vez que animais comumente usados na ciência, como roedores e macacos, também apresentam a consciência fenomenal.

Já a autoconsciência aumentaria os conflitos éticos, uma vez que esse status confere uma moralidade superior.

No entanto, Sawai afirma que há uma questão mais urgente: "Um dos maiores problemas são os transplantes. Devemos colocar organoides cerebrais em animais para observar como o cérebro se comporta?"

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Este minicérebro está sendo usado para estudar a doença de Parkinson.
[Imagem: A*Star Genome Institute of Singapore]

Xenotransplantes e dignidade

As pesquisas com células-tronco trouxeram a possibilidade do cultivo de xeno-órgãos, o implante de um órgão de um animal em outro, incluindo outro animal de outra espécie.

Por exemplo, os pesquisadores tiveram um grande êxito no xenotransplante de pâncreas de camundongos em ratos e vice-versa, e pesquisas semelhantes devem levar ao crescimento do pâncreas humano em porcos. Em princípio, esses animais se tornariam "fazendas de órgãos", que poderão ser colhidos e acabar com o longo tempo de espera pelos doadores de órgãos.

Embora cultivar cérebros humanos inteiros dentro de animais não esteja na agenda, o transplante de organoides cerebrais pode dar uma visão crucial sobre como doenças como demência ou esquizofrenia se formam e tratamentos para curá-las.

"Isso ainda é muito futurista, mas não significa que devemos esperar para decidir sobre as diretrizes éticas. A preocupação não é tanto uma humanização biológica do animal, o que pode acontecer com qualquer organoide, mas uma humanização moral, que é exclusiva do cérebro," disse Sawai.

Outras preocupações, acrescenta o pesquisador, incluem habilidades aprimoradas - pense no Planeta dos Macacos. Além disso, se o animal desenvolvesse traços humanizados, tratá-lo de forma subumana violaria sua dignidade, um princípio fundamental da prática ética.

 

Fonte: Diário da Saúde - www.diariodasaude.com.br

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