27/03/2017

Serotonina ajuda a lidar com fortes mudanças na vida

Redação do Diário da Saúde

Serotonina

A serotonina, um dos principais mensageiros químicos envolvendo a comunicação neuronal, é habitualmente associada à regulação do humor e dos estados afetivos.

Porém, um crescente conjunto de resultados está mostrando que uma das funções centrais deste neurotransmissor é facilitar a nossa adaptação a alterações do mundo exterior - o que poderá, por sua vez, ter um impacto indireto sobre o humor.

Estudos anteriores mostraram que a flexibilidade de adaptação a situações em constante mutação está de fato relacionada com a quantidade de serotonina disponível em determinadas áreas cerebrais. Se esta for reduzida, a adaptação torna-se mais difícil. Porém, ainda não se conhecem os mecanismos que permitem explicar este fenômeno.

Para começar a elucidá-los, neurocientistas do Centro Champalimaud, em Lisboa, analisaram as variações da atividade dos neurônios que produzem serotonina (situados numa zona chamada núcleo da rafe) quando o mundo vira subitamente de pernas para o ar, forçando uma adaptação a uma situação radicalmente nova.

Aprendizagem reversa

A equipe desenvolveu uma tarefa de "aprendizagem reversa", um tipo de aprendizagem em que os animais de laboratório começam aprendendo certas regras para obter uma recompensa. A seguir as regras são invertidas, e os animais veem-se obrigados a alterar o comportamento de forma a continuar recebendo a recompensa.

"Ensinamos os camundongos a associar diferentes odores à existência ou não de uma recompensa" que iriam receber instantes mais tarde, explicou Sara Matias, idealizadora do projeto. "Demoram três a quatro dias a ficarem bons a desempenhar a tarefa ao contrário."

Ao fim de duas semanas de treino, os pesquisadores constataram que, no momento em que os camundongos recebiam o estímulo odorífero - mas apenas quando o cheiro fazia prever que iam receber água em vez da recompensa - eles apresentavam um pico de ativação nos neurônios produtores de serotonina. Quando se trata de um odor que não seria recompensado, o pico simplesmente não ocorre.

Eles então inverteram as regras, e foi aí que aconteceu algo que a equipe não tinha previsto: logo após a mudança de regras, surge um segundo pico de serotonina. Este aumento da atividade dos neurônios deve-se, segundo os autores, unicamente ao efeito surpresa produzido pela inversão súbita do ambiente a que estão habituados - e não a qualquer previsão de desfecho.

"Este pico só aparece quando o desfecho [a existência ou não de recompensa] é inesperado", explica ainda Sara Matias, "independentemente do desfecho ser melhor ou pior do que o previsto". O pico mantém-se enquanto os animais ainda não estão familiarizados com a nova realidade, funcionando como um alerta para a alteração das circunstâncias, e vai diminuindo à medida que eles aprendem a lidar com a nova situação, desaparecendo quando a aprendizagem reversa está concluída.

Serotonina e depressão

De acordo com a equipe, esses resultados sugerem uma possível explicação para os efeitos antidepressivos dos chamados inibidores seletivos da recaptação da serotonina (ISRS, dos quais o mais conhecido é o Prozac®), que são medicamentos que inibem a eliminação normal da serotonina em circulação no cérebro.

"A maioria das pessoas supera a perda de um ente querido, mas para aqueles que não conseguem, talvez a serotonina, ao promover a flexibilidade comportamental, abra portas a uma maior adaptabilidade às mudanças", diz Zach Mainen, coordenador da equipe.

Segundo Mainen, a depressão pode ser vista como uma incapacidade de se adaptar a situações adversas, que deixa os doentes presos numa espiral comportamental descendente. O aumento de flexibilidade comportamental resultante de níveis sustentadamente elevados de serotonina poderá, portanto, ajudar estes doentes a alterar os seus comportamentos negativos.

"Acreditamos que a serotonina não é a molécula da felicidade,", afirma Sara Matias, "mas sim a molécula da flexibilidade neural e comportamental. Ela fornece a oportunidade para a mudança, mas depois é preciso fazer qualquer coisa para que a mudança aconteça no sentido positivo. Talvez seja por isso que os ISRS funcionam muito melhor quando acompanhados de psicoterapias comportamentais do que sozinhos."

 

Fonte: Diário da Saúde - www.diariodasaude.com.br

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