Farmácia natural
O maior laboratório a céu aberto do mundo - é assim que pesquisadores da área de química orgânica veem o potencial da biodiversidade brasileira para síntese de possíveis novos fármacos e moléculas bioativas isoladas de fontes naturais.
O assunto foi discutido no seminário internacional Avanços recentes na síntese de metabólitos naturais bioativos, realizado em São Paulo.
"A natureza não produz esse arsenal químico para curar o câncer ou diabetes - ela o faz para manutenção de processos vitais, regulação celular, adaptação e defesa que foram desenvolvidos ao longo da evolução da vida. Mas as estruturas moleculares dos produtos naturais podem ser imitadas, copiadas ou até melhoradas pelo homem, para uso em seu benefício", disse a professora Vanderlan da Silva Bolzani, da Universidade Estadual Paulista (Unesp).
"O Brasil possui uma biodiversidade fantástica, representando a biblioteca de estruturas químicas mais fascinante e perfeita que há, resultante da enorme diversidade de organismos que biossintetizam substâncias de estruturas inusitadas," disse Vanderlan.
Medicamentos naturais
A pesquisadora destaca que o Prêmio Nobel de Medicina deste ano foi entregue à chinesa Youyou Tu, que trabalhou com produtos naturais e medicamentos planejados a partir da artemisinina, isolada da Artemisia annua, uma planta tradicional da medicina chinesa para tratamento de malária, a William Campbell, da Irlanda, e a Satoshi Omura, do Japão, que descobriram a avermectina, isolada a partir da fermentação de Streptomyces avermitilis, para tratamento de parasitoses como a oncocercose - todas essas pesquisas voltadas a doenças negligenciadas.
"Isso dá a dimensão da importância da área de produtos naturais para a descoberta de medicamentos e, acredito, servirá de incentivo às novas gerações de pesquisadores que prospectem na natureza novos modelos moleculares", afirmou a pesquisadora, para quem "o Brasil tem uma massa crítica de pesquisadores sintéticos aptos a construírem substâncias complexas, mas que ainda é muito pequena para explorar melhor o potencial da nossa rica biodiversidade".
"É preciso desenvolver a área de síntese orgânica no Brasil de diferentes maneiras, para a exploração de novas estratégias de síntese de moléculas orgânicas ou para sintetizar moléculas que sejam de interesse biológico para diversos objetivos, como agroquímicos, moduladores biológicos e novos fármacos", disse Roberto Gomes de Souza Berlinck, da USP em São Carlos.
Anticâncer e antimalária
Luiz Carlos Dias, do Instituto de Química da Universidade Estadual de Campinas (Unicamp), apresentou avanços na síntese química de uma variedade de moléculas isoladas de fontes naturais e as metodologias empregadas no processo.
"Cada uma dessas moléculas tem um potencial de atividade biológica bastante interessante como anti-inflamatório, antitumoral, antibiótico. Elas são isoladas em quantidades muito pequenas e, para se ter uma quantidade maior de um produto natural suficiente para testes de atividade, seria necessário sacrificar muito da fonte de onde se obtém o produto natural. Nosso trabalho no laboratório é preparar essas moléculas em quantidades maiores e essa é a importância da área de síntese orgânica," explicou.
Dessa forma, no laboratório são preparadas moléculas idênticas às que são isoladas de fontes naturais, mas na quantidade adequada aos estudos biológicos.
Entre as moléculas sintetizadas pela equipe está a goniotrionina, isolada das folhas da Goniothalamus giganteus, uma planta tropical.
"Essa molécula tem atividade antitumoral para câncer de mama mais potente que vários antitumorais usados nos testes, mas é muito complexa do ponto de vista estrutural - então, o que tentamos é simplificá-la para obter mais rapidamente moléculas que sejam mais acessíveis e realizar os testes de atividade", contou Luiz Carlos.
Os pesquisadores brasileiros também identificaram substâncias com grande potencial contra o parasita Trypanosoma cruzi, causador da doença de Chagas, e sintetizaram duas especialmente promissoras para o tratamento da malária, sendo uma delas ativa contra oito tipos de cepas resistentes aos parasitas causadores da doença.
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