02/06/2011

Música no cinema: Um acorde para cada sentimento

Maria Alice da Cruz
Música no cinema: Na trilha do amor
O pesquisador mostra que a escolha da música vai, de fato, muito além daquilo que o ouvido parece pedir: uma tonalidade menor para a tristeza, uma tonalidade maior para a alegria, um andamento mais rápido ou mais lento para determinadas ações, um acorde apropriado para cada sentimento.
[Imagem: Unicamp/Reprodução]

Música no cinema

Desde que começou a fazer parte das pesquisas da área de cinema, a música deixou de ser pensada como um simples acessório da produção cinematográfica.

Vários estudos mostram que, quando aplicada no contexto da construção audiovisual, a música passa a agregar valor à narrativa da imagem.

No que diz respeito a cenas de amor, este gênero artístico tornou-se elemento indispensável.

Porém, para compreender a convivência entre música e imagem é preciso uma análise refinada, como as que se apresentam na pesquisa do professor César Henrique Rocha Franco, da Unicamp.

Músicas de amor

A partir da análise pormenorizada de partituras, a pesquisa aponta aspectos da construção musical que contribuem na arquitetura audiovisual de cenas românticas.

As time goes by, do filme Casablanca (1942); Moon River, de Bonequinha de Luxo (1961); e Love Theme, da ficção Blade Runner (1982), estão entre as peças estudadas por Franco.

O pesquisador investigou os procedimentos composicionais utilizados nesses e em outros temas. O estudo contém um exame detalhado das convenções musicais do gênero fílmico melodrama romântico, observando minuciosamente as características musicais.

Além de aprimorar o estudo de significados estabelecidos em convenções melódicas abordadas em outros estudos, como o livro The Language of Music, de Deryck Cooke, o trabalho inaugura uma nova fase na área de pesquisa em música aplicada à dramaturgia e à produção audiovisual, por fundamentar os resultados em aspectos da teoria musical, analisando todas as unidades musicais presentes nas partituras dos temas de produções melodramáticas ou não.

O orientador do trabalho, professor Claudiney Carrasco, disse desconhecer outra pesquisa brasileira dedicada à abordagem analítica de temas de amor no cinema. Ele afirma que, até o momento, vários estudos investiram na análise de texto, mas não se tem conhecimento de outro trabalho dedicado à análise usando referencial e recursos musicais para observar e tentar compreender como se dá a construção do sentido audiovisual. "César consegue avançar na pesquisa sobre a construção do sentido por meio da música no contexto audiovisual", reforça.

Melodias do sentimento

O pesquisador mostra que a escolha da música vai, de fato, muito além daquilo que o ouvido parece pedir: uma tonalidade menor para a tristeza, uma tonalidade maior para a alegria, um andamento mais rápido ou mais lento para determinadas ações, um acorde apropriado para cada sentimento.

Esta seria uma análise mais simplista, segundo Carrasco, mas Franco mostra que era preciso observar todas as unidades musicais. "Trata-se de pesquisa fina, em que cada unidade musical deve ser observada para não cair numa análise simplista", acrescenta Carrasco.

De acordo com Franco, os elementos musicais observados durante a pesquisa são capazes de representar emoções e sentimentos diversos vividos pelos personagens.

Ao estudar as unidades musicais presentes na partitura de As time goes by, por exemplo, ele observa que há uma concordância entre o perfil melódico não só com a cena, mas com a situação vivida pelos personagens da história do filme Casablanca. Os movimentos ascendentes ou descendentes vão ajudando a compor as cenas e até a modificar a história de amor entre os personagens Rick e Ilsa.

Enquanto o primeiro movimento representa a alegria do reencontro, o segundo acompanha o forte teor passional em que o casal se separa e, segundo Franco, "se não é a exata expressão de uma alegria passiva, também não é a de dor profunda, mas de resignação, de aceitação reconfortante".

As time goes by, segundo ele, é um exemplo de adequação da música à cena de amor. Ele explica que depois de analisar as características da estrutura musical desta canção e a exploração dela na narrativa do filme Casablanca, seja na sua forma original, ou com tratamento orquestral dado pelo compositor Max Steiner (1888-1971), é possível reafirmar a ênfase dada por ela ao sentido emotivo das cenas que integra.

Ainda tomando como exemplo As time goes by, Franco afirma que algumas convenções musicais do melodrama coincidem com certas características desta canção. Uma delas é a execução do piano com a voz. Outra convenção diz respeito às harmonias que incorporam notas "estranhas" à formação triádica (três sons) dos acordes. A música está presente em todos os momentos da relação do casal, marcada por ressentimentos, tristeza e a repressão dos sentimentos (especialmente por parte de Rick).

Música e letra

Segundo a análise de Franco, as manipulações realizadas posteriormente na trilha musical do filme, por Steiner, transformam a canção em vários aspectos, incorporando outros elementos do paradigma do melodrama, como a orquestração fazendo amplo uso das cordas, com a melodia executada nos violinos. A música consegue mudar a emoção das cenas. O pesquisador fez uma análise criteriosa comparando aspectos melódicos e rítmicos da canção.

Por se tratar de uma canção, Franco também se preocupou em analisar a interação entre a fraseologia musical e a letra, o que tornou mais evidente a importância da música na narrativa. Ele observa que, assim como as idas e vindas da letra, os motivos A e B (divididos assim para aprimorar a análise) mostram um contraste melódico, marcado por movimento de impulso e retenção. "Podemos inferir que a letra da canção também se caracteriza pela mescla, ou alternância de impulso (emocional) e retenção, de diálogo e narração, de expressão pessoal e comentário", explica Franco.

Na letra, o impulso e a retenção são marcados por momentos de paixão e de interrupção da paixão e Steiner acentua essas emoções com seu arranjo.

De acordo com Franco, as unidades musicais se repetem em diferentes partituras, mesmo que as produções não tenham o mesmo gênero fílmico ou apresentem desdobramentos contrários. Por exemplo, o movimento ascendente encontrado em Casablanca, usado geralmente para expressar ou representar um sentimento de visível, ativa e assertiva emoção de alegria, está presente em cenas de Em algum lugar do passado, Laura, Casablanca, Bonequinha de Luxo, Moscou contra 007 e Blade Runner.

Enquanto no filme Em algum lugar do passado, por exemplo, esse movimento ilustra um reencontro amoroso no além-vida, em Casablanca, ele acompanha a alegria momentânea de um reencontro interrompido pela separação ao final da história. Bonequinha de Luxo, Moscou contra 007 e Blade Runner trazem este movimento em cenas em que a alegria é expressa pelo encontro amoroso que ocorre no desfecho de cada filme, ainda que os gêneros sejam distintos.

Amor proibido

Apesar de focar a produção melodramática, entre as 16 cenas analisadas Franco incluiu títulos da ficção científica em que em algum momento a história de amor se apresenta como conteúdo importante. É o caso de Blade Runner, em que Love Theme, música romântica inserida numa linguagem popular, acompanha a relação amorosa que é relevante para a continuidade da narrativa, pois toda a trajetória do personagem principal, o caçador de androides Rick Deckard, muda por causa de Rachel, mulher por quem se apaixona.

Já em Bonequinha de Luxo, tema de Moon River, acompanha tanto a personagem principal, Holly Golightly, quanto a cena de amor. Em Star Wars, o romance também não é o foco principal, mas o amor proibido entre o jedi Anakin e a princesa Padmé traz consequências marcantes no desenrolar da saga. Nesses momentos de afeto, o tema de amor ganha força nas produções, modificando o significado da história.

De acordo com Franco, a atribuição de significados extramusicais a determinado elemento musical, seja ele melódico, harmônico, tímbrico, é amplamente discutida entre estudiosos da área. No que diz respeito à música fílmica, ele afirma que as cenas de amor analisadas comprovam a sintonia entre imagem e música, cumprindo o significado desejado.

Outras produções importantes para a pesquisa de Franco foram Branca de neve e os sete anões (1937), Laura (1944), Vertigo (1958), Moscou contra 007 (1963), Dr. Jivago (1965), Romeu e Julieta (1968), Os girassóis da Rússia (1970), Love Story (1970), The Summer of 42 (1971), O poderoso chefão (1972), Em algum lugar do passado (1980), Cinema Paradiso (1988), e Star Wars II: Atack of clones (2002).

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