02/09/2008

Proteína enigmática tem conexão com o envelhecimento cerebral e controle da memória

Antonio Carlos Quinto - Agência USP

Hipusina

A proteína eIF5A (fator de início de tradução de eucariotos 5A) é conhecida no meio científico como "enigmática". Isso porque ela apresenta uma peculiaridade em relação às outras: eIF5A é a única proteína descrita na natureza que possui em sua composição um resíduo de aminoácido chamado hipusina. A proteína eIF5A encontra-se envolvida com o processo de síntese protéica, mas sua função exata ainda permanece desconhecida.

O farmacêutico e bioquímico Augusto Ducati Luchessi, que atualmente faz seu Pós-Doutorado no Instituto de Ciências Biomédicas (ICB) da USP, sob supervisão do professor Rui Curi, estudou esta proteína durante o seu mestrado em Biotecnologia (IQ-UNESP), e em seu doutorado em Ciências, na área de Fisiologia Humana (ICB-USP).

Envelhecimento cerebral e controle da memória

Recentemente, o cientista publicou o artigo Insights on eukaryotic translation initiation factor 5A (eIF5A) in the brain and aging (Luchessi, AD et al. Brain Research.1228 [2008]) na revista internacional Brain Research sobre o envolvimento de eIF5A no processo de envelhecimento cerebral e controle da memória motora.

De acordo com Luchessi, a hipusina é essencial para a atividade de eIF5A e resulta de uma via bioquímica chamada hipusinação. Ele conta que a hipusina foi descoberta em 1971. "Somente cinco anos mais tarde, em 1976, é que a proteína eIF5A foi descoberta."

Hipusinação

A hipusinação consiste na transformação enzimática de um resíduo específico do aminoácido lisina em hipusina. Neste processo é essencial a participação de um composto chamado espermidina. "Já se sabe que qualquer inibição neste processo causa a inibição da proliferação de diferentes células tumorais", comenta o pesquisador.

Em 2007, Luchessi integrou o grupo de cientistas liderados pelo professor Claudio M. da Costa Neto (FMRP-USP) que demonstrou in vivo, pela primeira vez, que a inibição da hipusinação afeta o crescimento tumoral, no artigo Inhibition of eukaryotic translation initiation factor 5A (eIF5A) hypusination impairs melanoma growth. (Cell Biochem Funct. 25 [2007] - Jasiulionis, MG et al).

Desenvolvimento cerebral

Em uma de suas pesquisas mais recentes, Luchessi demonstrou por meio de estudos em encéfalo de ratos recém-nascidos, adultos e idosos que a proteína eIF5A encontra-se envolvida com importantes aspectos da fisiologia cerebral. Já era de conhecimento dos cientistas um alto conteúdo de hipusina em proteínas presentes no encéfalo de ratos recém-nascidos em comparação com animais adultos.

Com base nessa informação, Luchessi decidiu avaliar o conteúdo da proteína eIF5A nesses encéfalos e verificou que os animais recém-nascidos apresentam 75% menos eIF5A que os adultos. Este dado indica um alto requerimento de eIF5A no período neonatal, quando o encéfalo ainda encontra-se em desenvolvimento e apresenta alta taxa de neurogênese, diferenciação e estabelecimento de plasticidade sináptica.

Em uma análise microscópica Luchessi revelou que a proteína eIF5A é produzida por diferentes tipos celulares no encéfalo de ratos adultos, como nas regiões do córtex, hipocampo e cerebelo. "Optamos por concentrar os estudos com o cerebelo pois importantes neurônios nessa região produziam muito mais eIF5A", conta.

Células de Purkinje

O farmacêutico e bioquímico destaca que entre as células cerebrais que mais produzem eIF5A estão os neurônios localizados no cerebelo chamados de Células de Purkinje. "As células de Purkinge são neurônios-chave no controle da memória motora", descreve Luchessi. "Nossa memória motora é responsável por controlar os movimentos motores, como andar de bicicleta, por exemplo. Uma pessoa que tenha sua memória motora afetada que antes pedalava muito bem uma bicicleta, por certo não conseguirá fazê-lo com a mesma eficiência novamente", explica.

Em uma de suas experiências, Luchessi observou que a proteína eIF5A é localizada tanto no corpo celular quanto nos dendritos das células de Purkinje. "Observamos um alto conteúdo de eIF5A em estruturas dendríticas associadas a sinapses, que é o ponto de contato entre um neurônio e outro", descreve. O cientista exalta a importância desse achado pois explica que a síntese protéica dendrítica é essencial para o estabelecimento da memória motora de longa duração controlada pelo cerebelo.

Envelhecimento do cérebro

No mesmo estudo, o cientista comprova também uma redução do conteúdo de eIF5A no cerebelo de ratos idosos, quando comparada a ratos adultos. Neste caso, Luchessi aponta que a queda é da ordem de 50%. Este achado demonstra que esta queda está associada com o processo de envelhecimento do cerebelo, em que normalmente há um déficit funcional.

Segundo Luchessi, esse dado permite levantar dois aspectos importantes vinculados a atividade de eIF5A como fator controlador da síntese protéica. O primeiro, como mencionado anteriormente, diz respeito a essencialidade da síntese protéica dendrítica para o estabelecimento de memória de longa duração. O segundo aspecto refere-se ao importante processo de reciclagem protéica. "O envelhecimento cerebral está associado com redução da síntese e da degradação protéica geral, efeito este que causa redução da reciclagem das proteínas celulares", descreve. Luchessi explica que uma diminuição da reciclagem protéica aumenta as chances de acúmulo de proteínas mal formadas e danosas às células. "Este evento é característico de algumas doenças neurodegenerativas", comenta.

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