22/10/2018

Especialistas falam sobre avanços e riscos da edição genética

Com informações da Agência Fapesp
Especialistas falam sobre avanços e riscos da edição genética
É preciso estar atento ao fato de que o saber científico é dinâmico, sendo constantemente atualizado. Por exemplo, recentemente se descobriu que um "gene do câncer" não causa câncer.
[Imagem: Cortesia MPI for Informatics]

Perigos da edição genética

Ganhou destaque nos últimos anos a técnica Crispr/CAS9, que permite a edição de genes.

A partir da ação de enzimas, a metodologia descoberta em 2012 é capaz de quebrar as ligações entre os nucleotídeos na molécula de DNA e, assim, inserir, remover ou alterar material genético em locais específicos do genoma.

A técnica de edição de genes surge como um potencial catalisador de descobertas, principalmente para doenças genéticas, mas também tem provocado uma série de preocupações no campo da bioética.

"O grande temor, quando se tem uma técnica dessa em mãos, é usá-la para eugenia ["ciência" do melhoramento genético da espécie humana]. E essa preocupação não deve ser só do cientista. Essa é uma discussão que tem que vir a público. O cientista precisa apontar os riscos e apresentar toda a ação para a sociedade. Mas é a sociedade que tem que se apropriar dessa discussão, pois é ela que vai decidir o que é permitido ou não," disse a professora Vilma Regina Martins, do A.C. Camargo Cancer Center, durante evento promovido em São Paulo pela FAPESP (Fundação do Amparo à Pesquisa do Estado de São Paulo).

Um dos primeiros cuidados a se ter, segundo os especialistas, é que, apesar de anúncios de "técnicas revolucionárias", a manipulação dos genes está longe de ser dominada pela ciência.

"Existem preocupações no campo da bioética, mas é preciso salientar que a edição genética é muito mais difícil do que se imagina. Até hoje, por exemplo, não se sabe a causa da hipertensão, principal fator de risco das doenças cardiovasculares. Já foram identificadas cerca de 750 variantes genéticas que influenciam o nível de pressão arterial, mas elas nunca explicam mais de 3% da variação da pressão arterial", disse o professor José Eduardo Krieger, da Faculdade de Medicina da USP.

Também ainda não é possível, a partir da edição genética, desenvolver um genoma com as características de uma pessoa que corra mais rápido ou seja mais alta, por exemplo.

"Conhecemos pouco ainda. Então como a comunidade científica está lidando com isso? Uma das primeiras decisões foi não mexer em nada que possa ser transmitido. Tanto que os primeiros testes clínicos com Crispr foram na área de câncer. E é assim que vamos progredindo, tentando melhorar o conhecimento, sem fechar todas as portas. Caso contrário, ficamos no obscurantismo," disse Krieger.

Já a professora Mayana Zatz, do Instituto de Biociências da USP, acredita que as doenças genéticas de início tardio - em adultos mais idosos - devem ser a área da saúde em que os cientistas poderão atuar de forma mais eficiente com o auxílio da edição genética.

"São casos que, apesar de a pessoa não ter nenhum sinal da doença até certa idade, ela já nasce com uma mutação determinante para seu desenvolvimento. Porém ainda existe o risco de errar o alvo, que é focar em um determinado gene e, de repente, acabar alterando outro, que não tem nada a ver com a doença. Isso pode ter um resultado muito pior que o esperado," disse ela.

Especialistas falam sobre avanços e riscos da edição genética
Mesmo os exames genéticos para câncer têm resultados variáveis, dependendo do laboratório onde foi feita a análise.
[Imagem: OSU Comprehensive Cancer Center]

Bancos de dados genéticos

Outra questão discutida pelos especialistas envolveu os "genes de risco", genes indicativos de determinadas doenças. Os estudos nessa área estão sendo viabilizados pelos bancos de dados em genômica.

Por exemplo, pesquisadores do Centro de Pesquisas do Genoma Humano e Células-Tronco montaram um banco de dados com 1.300 amostras genéticas de pessoas saudáveis com mais de 60 anos. "O mais interessante é que, já na primeira análise do sequenciamento genômico, identificamos cerca de 200 mil variantes que nunca tinham sido descritas em outros bancos internacionais. Por que isso? Porque a nossa população é única. Isso mostra a importância de ter um banco de dados nossos, e não nos basearmos apenas em bancos internacionais", contou Zatz.

Outras descobertas interessantes envolvem genes que causam formas hereditárias de câncer. "No banco de dados, achamos 10 pessoas que tinham mutações hereditárias, porém só duas apresentaram câncer ao longo da vida. Inclusive, uma senhora de 93 anos que tem a mutação no gene BRCA1 - considerado como responsável pelo câncer de mama - e que até agora não desenvolveu nada de doença", contou a pesquisadora.

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