Mudança de bactérias
Um estudo epidemiológico realizado durante dois anos por pesquisadores da Universidade de São Paulo (USP) sugere que as bactérias causadoras da diarreia no Brasil estão mudando.
A pesquisa mostrou que o mais prevalente dos agentes associados à doença é a bactéria Escherichia coli e não mais a Salmonella, que causava a maior parte dos casos há algumas décadas.
A pesquisa, cujos resultados foram publicados na revista Diagnostic Microbiology and Infectious Disease, foi feita com crianças de João Pessoa (PB), coordenada pela professora Marina Baquerizo Martinez.
Causas da diarreia
Segundo Marina, o estudo analisou amostras de soro extraídas de 290 crianças com diarreia e 290 crianças saudáveis (grupo de controle). A Escherichia coli foi o patógeno mais prevalente associado à diarreia aguda, correspondendo a 47,4% dos microrganismos isolados. A variedade enteroagregativa foi a mais comum: 25%. Apenas 7,9% dos patógenos isolados eram Salmonella.
"Temos estudos feitos nas décadas de 1980, 1990 sobre a etiologia - os fatores causais - da diarreia. Comparando o estudo feito na Paraíba com essa série histórica, podemos observar que na década de 2000 houve uma diferença acentuada em relação ao microrganismo que mais incide na população. Até agora, a Escherichia coli enteroagregativa não havia sido identificada no Brasil como agente principal", disse Marina.
"É importante fazer esse tipo de pesquisa porque, quando a criança com diarreia é atendida por um médico, o exame para identificação do agente causador da doença não faz parte da rotina. O estudo epidemiológico permite saber quais são os patógenos em circulação no país. Isso é relevante, pois o fator de virulência pode mudar muito", disse a pesquisadora.
Tratamentos para a diarreia
De acordo com a professora, vários agentes emergentes têm sido identificados nos últimos anos, como o rotavírus. "Nas décadas de 1970 e 1980 o agente mais importante era a Salmonella. Mais tarde o rotavírus passou a ser um agente causador importante - tanto que a vacinação para esse microrganismo passou a ser oferecida na rede pública. Agora temos a prevalência da Escherichia coli", explicou.
Os estudos epidemiológicos visando a identificação da virulência dos microrganismos em circulação e as pesquisas sobre as causas das infecções aos poucos mudaram o tratamento da doença.
"Na década de 1980 muitas crianças eram internadas com diarreia causada por Salmonella. Hoje, graças a estudos sobre a etiologia da doença, foi possível tratá-la de forma mais global e passou-se a divulgar a necessidade de hidratar a criança o mais cedo possível. O resultado disso é que hoje as crianças não são mais internadas nesse caso", explicou.
Agente atípico
A pesquisadora afirma que o grupo se surpreendeu com a prevalência da Escherichia coli. "Achávamos que no Nordeste brasileiro a etiologia da diarreia permanecia a mesma, com predominância da Salmonella. Foi uma surpresa ver que a região tinha esses agentes atípicos como causa da diarreia aguda", disse.
O grupo liderado por Marina atualmente realiza um estudo da etiologia da diarreia no Hospital Universitário (HU) da USP.
"Estamos colhendo material para o projeto, que tem término previsto para março de 2011. A ideia é analisar a etiologia da diarreia em São Paulo para comparar com os dados dos estudos feitos na região nas décadas de 1980 e 1990", disse.
Informações sobre a diarreia
A professora explica que a diarreia é uma doença infecciosa autolimitante - isto é, os sintomas desaparecem espontaneamente com o tempo. "Apenas em alguns casos muito graves há necessidade de tratamento e internação, por exemplo, quando as diarreias causadas por Salmonella geram febres muito altas e infecções no sangue", afirmou.
De acordo com dados da Organização Mundial da Saúde (OMS), a diarreia está entre as principais causas de mortalidade infantil, matando cerca de 2 milhões de crianças a cada ano em todo o mundo - especialmente nos países em desenvolvimento. No Brasil, a doença também é uma das maiores causas de mortes de crianças.
"Em São Paulo o quadro é parecido com o dos países desenvolvidos. Mas temos incidência e mortalidade bastante altas tanto no Norte como no Nordeste. A diarreia é, principalmente, uma questão de pobreza", disse Marina.
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