12/06/2025

Seguir ordens nos faz sentir menos responsabilidade por nossos atos

Redação do Diário da Saúde
Seguir ordens nos faz sentir menos responsabilidade por nossos atos
Mesmo sendo oficiais treinados para assumir responsabilidade por suas ações, os militares envolvidos no experimento sentiram menos responsabilidade moral por seus atos.
[Imagem: Gerado por IA/Gemini]

Atualidade

O Tribunal de Nuremberg foi um marco na história do direito internacional e da justiça ao julgar alguns dos líderes nazistas por crimes de guerra, crimes contra a paz e crimes contra a humanidade. Uma das decisões históricas do tribunal foi a de que cumprir ordens superiores, o que tipicamente acontece com os militares, não isenta uma pessoa da responsabilidade pelos crimes que ela cometa seguindo essas regras.

Contudo, uma nova pesquisa que analisou a atividade cerebral de militares e de civis enquanto eles tomavam decisões morais, mostrou que a percepção de sermos os autores das nossas ações e das suas consequências de fato diminui quando seguimos ordens, quer sejamos civis ou militares.

É uma descoberta crucial em um momento crucial, quando há um forte retorno das ideias fascistas, derrotadas na Segunda Guerra Mundial: Como os seres humanos processam a responsabilidade moral continua tendo implicações bem atuais na ética, na justiça e na psicologia do comportamento humano.

Sensação de agência

Apesar de podermos tomar algumas decisões livremente na nossa vida diária, uma parte significativa das escolhas que fazemos são condicionadas por regras estabelecidas pela sociedade ou por outros indivíduos, que podem influenciar fortemente os nossos comportamentos. Numerosos exemplos históricos e da investigação experimental demonstraram que as restrições à liberdade de escolha podem levar a comportamentos que causam danos graves aos outros.

Assim, compreender como as pessoas tomam decisões morais e os processos neurais subjacentes a essas decisões são questões científicas e sociais críticas, incluindo uma melhor compreensão dos atos ilícitos.

Um processo neurocognitivo fundamental para a tomada de decisões é a chamada sensação de agência (SoA), que se refere à percepção de sermos autores das nossas ações e das suas consequências, assumindo assim a responsabilidade pelas nossas próprias escolhas. A SoA é um processo cognitivo que parece ser reduzido quando os indivíduos obedecem a ordens, em oposição a tomarem decisões livres.

Estudos anteriores mostram que essa sensação de fato diminui quando obedecemos a ordens, reduzindo a nossa percepção de responsabilidade. Este efeito é particularmente relevante em contextos onde seguir ordens faz parte da rotina, como no meio militar.

Tomada de decisões morais

Para aferir se a base neural da SoA (sensação de agência) durante a tomada de decisões morais difere entre populações civis e militares quando tomam decisões livres ou coagidas, ocupando diferentes posições dentro de uma cadeia hierárquica, Emilie Caspar e colegas da Universidade Livre de Bruxelas (Bélgica) utilizaram a ressonância magnética funcional (fMRI) para analisar a atividade cerebral de 19 cadetes militares e 24 voluntários civis enquanto tomavam decisões morais.

No experimento, os participantes podiam escolher livremente entre obedecer ou não a ordens para infligir um choque rápido a uma vítima. A SoA foi avaliada através da ligação temporal, um fenômeno em que a percepção do tempo entre ação e consequência se altera de acordo com o grau de voluntariedade da decisão.

Os resultados revelaram que a SoA diminui quando seguimos ordens, independentemente de sermos civis ou militares, ou seja, não foram encontradas diferenças significativas entre os grupos, sugerindo que a base neural da tomada de decisões morais é consistente, independentemente do ambiente profissional. Além disso, várias regiões cerebrais, incluindo o lobo occipital, o giro frontal e o precuneus, mostraram-se associadas a esta percepção.

Embora estes resultados possam sugerir que os efeitos da coerção sejam generalizáveis a todas as populações, é importante destacar que, neste caso, os participantes militares não eram soldados rasos, mas oficiais treinados para assumir a responsabilidade pelos seus atos. "Podemos interrogar-nos se o fato de se ser um mero executante influenciaria estes resultados, já que um estudo anterior mostrou que ocupar uma patente militar baixa teve um efeito prejudicial no SoA. Isto sugere pistas importantes para a formação em responsabilidade," afirmou o professor Axel Cleeremans.

Checagem com artigo científico:

Artigo: Neural correlates of the sense of agency in free and coerced moral decision-making among civilians and military personnel
Autores: Emilie A. Caspar, Antonin Rovai, Salvatore Lo Bue, Axel Cleeremans
Publicação: Cerebral Cortex
Vol.: 35, Issue 3
DOI: 10.1093/cercor/bhaf049
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