11/01/2008

Mães vêm seus direitos com se fossem privilégios

Alex Sander Alcântara

Mães usuárias de creches do município de São Paulo apresentam baixa exigência em relação aos serviços prestados pelas instituições, principalmente no aspecto educacional.

Qualidade das creches

Essa é uma das conclusões de uma pesquisa que avaliou as percepções de mães e de educadoras em relação ao atendimento nas creches. As más condições de trabalho, como o número reduzido de profissionais, são as principais queixas das educadoras.

Os resultados do estudo - que é parte do projeto "Ações de segurança e educação alimentar em creches públicas e filantrópicas no município de São Paulo", da Universidade Federal de São Paulo (Unifesp) - foram publicados na Revista de Nutrição.

Mães se consideram privilegiadas

De acordo com Cláudia Maria Bógus, professora da Faculdade de Saúde Pública da Universidade de São Paulo (USP) e uma das autoras do artigo, uma das conseqüências desse quadro é que as atividades educacionais são relegadas a segundo plano.

"Por se considerarem privilegiadas pelo acesso às creches, as mães apresentam baixa exigência. Contudo, valorizam aspectos relacionados com alimentação, higiene e administração de medicamentos. Em relação às educadoras, há grandes limitações quanto às suas condições de trabalho, principalmente no que diz respeito ao pequeno número de profissionais", afirmou Cláudia à Agência Fapesp.

Atividades educacionais deixadas de lado

Apesar de as mães valorizarem os aspectos médicos e alimentares em detrimento da dimensão educacional, o objetivo principal das creches é fornecer educação infantil desde que a Lei de Diretrizes e Bases estabeleceu, em 1996, que as creches públicas passariam do âmbito das Secretarias de Assistência Social para as Secretarias de Educação.

O objetivo do estudo, segundo a pesquisadora, foi conhecer as percepções de mães de crianças de 0 a 2 anos sobre os cuidados desenvolvidos pelas creches freqüentadas por seus filhos, bem como avaliar as percepções das educadoras sobre o papel nos cuidados oferecidos às crianças e suas famílias.

Cinco creches foram estudadas no município de São Paulo, com a formação de cinco grupos focais com as mães das crianças de zero a dois anos de idade. Outros dois grupos foram formados com educadoras - fora do horário e do local de trabalho.

Os temas sugeridos foram agrupados em três eixos: relações da família com a creche e seus profissionais; cuidados prestados à criança pela creche; e creche enquanto política pública. Em todos os grupos houve a participação de uma moderadora e de uma observadora.

Distância entre pais e profissionais

No aspecto "relações da família com a creche e com os profissionais", a pesquisa mostra que poucos pais têm contato com os funcionários da creche e, como conseqüência, são poucas as informações recebidas sobre os filhos. Além da realização de reuniões esporádicas, um dos motivos é a forma de comunicação tradicional utilizada pela instituição.

"A comunicação é feita por meio de comunicados escritos colocados em murais ou enviados pelas crianças. Parece-nos que há falta de uma comunicação mais interpessoal, o que viabilizaria maiores oportunidades de expressão de dúvidas e angústias por parte dos pais e maiores esclarecimentos por parte da instituição, inclusive com a possibilidade de mudança de posições e busca de adequação às demandas de ambas as partes", explicou Maria Cezira Fantini Nogueira Martins, do Instituto de Saúde da Secretaria de Estado de Saúde de São Paulo, uma das autoras do artigo.

Medicamentos e alimentação

Os cuidados prestados pela creche mais valorizados pelas mães são a administração de medicamentos e a alimentação. A orientação que predomina nos casos estudados é a de não oferecer medicamentos às crianças sem prescrição médica por escrito. Apesar disso, houve relatos de mães que reclamam da rigidez e inflexibilidade de normas.

"A creche solicita que a mãe compareça à instituição para a administração do remédio, o que para elas parece incorreto, já que lhes é inviável ausentar-se do trabalho. Além disso, elas entendem que essa é uma das atribuições das creches", disse Maria Cezira.

Refeições de boa qualidade

As mães estão satisfeitas e consideram adequadas e de boa qualidade as refeições fornecidas nas creches. Apesar disso, os relatos indicam que "poucas têm conhecimento sobre a rotina quanto à alimentação das crianças e o que é oferecido a elas".

Creches vistas como serviço filantrópico

Ainda persiste a compreensão, entre as mães, de que as creches constituem um serviço filantrópico e não um direito. De acordo com Cláudia, "prevalece o sentimento de que são privilegiadas pela possibilidade de usufruírem dos serviços da creche, principalmente porque reconhecem que o número de instituições é muito pequeno."

Educadores sobrecarregados

Excesso de trabalho é a principal queixa das educadoras. E a hora das refeições é o momento do dia-a-dia mais estressante para elas. As educadoras se queixam do número reduzido de funcionários. A portaria da Secretaria Municipal de Educação de São Paulo, de 2004, estabelece a proporção de um educador para sete bebês na faixa etária de 0 a 11 meses, e de um educador para nove crianças, de 1 ano a 1 ano e 11 meses.

A proporção de número de crianças por educador em São Paulo é superior ao que recomenda o Ministério da Saúde: seis crianças por educador, para a faixa etária de 0 a 11 meses e oito crianças por educador para a faixa etária de 1 ano a 1 ano de 11 meses. A conseqüência disso, segundo Cláudia, é "uma maior precariedade no atendimento e no cuidado das crianças".

Desvalorização dos educadores

"As educadoras se sentem desvalorizadas. Uma das queixas é o problema do cansaço relacionado ao não reconhecimento institucional. É um cansaço tanto físico quanto mental. Elas dizem que precisam ser mais valorizadas e ter um salário melhor", afirma Maria Cezira, que observou os grupos focais.

A pesquisa aponta uma "relação ambígua entre educadora e família. As educadoras ora consideram as mães "omissas e irresponsáveis", ora as consideram "carentes e necessitadas de ajuda".

O estudo recomenda futuras pesquisas sobre a relação entre as creches e os serviços de saúde e as condições de trabalho das educadoras. "Essas pesquisas são fundamentais porque o atendimento assistencial e educacional nessa faixa etária é muito importante para o desenvolvimento infantil e existem possibilidades de aprimoramento", enfatiza Cláudia.

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