Sozinhas
A falta de apoio do companheiro é a principal influência na decisão pelo aborto.
Esta foi a conclusão de um estudo realizado na Faculdade de Medicina da USP pela psicóloga Cristina Borsari.
Entre 2008 e 2010, Cristina submeteu a um questionário mulheres que haviam se internado em dois hospitais da rede pública da cidade de São Paulo por terem sofrido aborto, tanto espontâneo quanto provocado.
Das 100 mulheres que responderam ao questionário, 11 admitiram ter provocado a interrupção da gravidez.
Segundo a psicóloga, mulheres que entram em hospitais com quadro de aborto muitas vezes não admitem que este tenha sido provocado com medo de julgamentos e represálias.
O aborto é considerado crime no Brasil, com algumas exceções, no caso de fetos anencéfalos, risco de morte para a mãe ou gravidez de vítimas de estupro.
Culpa pelo aborto
Para o estudo, as mulheres que provocaram aborto foram estimuladas a falar livremente sobre os sentimentos vividos durante a suspeita e confirmação da gravidez, como o apoio que receberam, a sensação de culpa e o conceito pessoal sobre o que é a maternidade.
Todas as mulheres entrevistadas disseram sentir culpa em relação ao que fizeram e relataram medo de serem castigadas por Deus, ter alguma doença no futuro ou não conseguirem mais engravidar quando desejarem.
Em comparação com as mulheres que sofreram aborto espontâneo, essas mulheres demonstraram, menor renda familiar, menor escolaridade e mais sentimentos negativos ao descobrirem a gestação. Elas não possuíam carreiras ou mesmo emprego.
Essa identidade forjada as faz replicar muitas vezes o comportamento que suas mães tiveram: se foram geradas quando suas mães eram adolescentes, engravidam na adolescência.
Isso se reflete na decisão pelo aborto, pois a mulher não possui uma estrutura familiar devido ao desamparo e a exclusão social que sofre. "A identidade parental é algo construído socialmente, com afeto," lembra Cristina.
Evento traumático
As mulheres admitiram que a falta de apoio dos companheiros foi mais determinante do que as dificuldades econômicas na escolha por abortar.
O que mais surpreendeu a pesquisadora foi o fato de as entrevistadas estarem sempre sozinhas, sem a companhia de parentes ou amigos. Nos depoimentos, constatou-se que a participação dos companheiros é mínima ou inexistente.
Cristina diz que as mulheres são cobradas pela sociedade em demonstrar um instinto nato em ser boas mães, mas algumas são abandonadas, sem apoio financeiro e, principalmente, emocional.
A solidão com que enfrentam a interrupção da gravidez pode levá-las a quadros de depressão. "O aborto é um evento traumático, e é algo que a mulher vai carregar consigo," finaliza a psicóloga.
Decisões contra a vida
A pesquisa é mais uma na longa lista de estudos sobre o aborto que mostram evidências claras de que facilitar o aborto não resolverá, antes ampliará, a consequência mais palpável do problema, que é o trauma que as mulheres sofrem, e levarão consigo por toda a vida, por terem feito um aborto.
Políticas públicas honestas, que visassem realmente o bem-estar das mulheres, sem preconceitos, tentariam inicialmente ajudá-las a evitar a gravidez. E, quando grávidas, cuidaria de dar-lhes o apoio necessário à gravidez, financeira e psicologicamente, e não ajudar-lhes a "conquistar" uma culpa que elas terão que levar consigo sozinhas, sem nenhum apoio.
De forma paradoxal, contrariando suas próprias conclusões, a maioria dos cientistas cujos estudos mostram essa realidade opta por apoiar o aborto institucionalizado, e não por defender as mulheres - de resto uma opção que exige muito mais coragem, por ser um problema muito mais difícil de resolver.
Afinal, mulheres - principalmente as mulheres esquecidas da periferia - parecem servir bem ao seu papel: o papel de apenas serem esquecidas, aí incluídos os seus traumas. Enquanto isso, é mais fácil ser aceito na "culturalidade" do meio acadêmico juntando-se a uma crença - apoiar o aborto - que nada tem de científica.
As autoridades de saúde têm ainda maior responsabilidade - em outras áreas tão ciosas da necessidade da prevenção, no caso das gravidezes indesejadas optam conscientemente por agir na remediação, chamando o aborto de "problema de saúde pública", um eufemismo para esconder sua própria incapacidade de atuar na prevenção.
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