23/08/2022

Bem, eu vejo as coisas de forma diferente!

Redação do Diário da Saúde
Política Radicalismo Verdade Ética Opinião
Não, você não vê o mundo objetivamente.
[Imagem: Carlos Ribeiro/Pixabay]

Realismo ingênuo

Nós frequentemente assumimos que nossa própria compreensão das pessoas e nossa interpretação dos eventos seja uma verdade objetiva, em vez de encará-los meramente como nosso próprio julgamento.

Esse fenômeno, chamado pelos psicólogos de "realismo ingênuo", leva as pessoas a acreditarem que devem ter a palavra final sobre o mundo ao seu redor.

O realismo ingênuo pode ser a fonte mais subestimada de conflito e de desconfiança entre indivíduos e grupos, e está na base de grande parte dos radicalismos na sociedade atual, tanto pelo lado dos que querem mudanças rápidas, quanto daqueles que querem uma volta ao passado.

"Quando os outros veem o mundo de forma diferente da nossa, isso pode servir como uma ameaça existencial ao nosso próprio contato com a realidade, e muitas vezes leva à raiva e suspeita sobre os outros. Se sabemos como uma pessoa está vendo o mundo, suas reações subsequentes são muito mais previsíveis," explica o professor Matthew Lieberman, da Universidade da Califórnia de Los Angeles (EUA).

Então, como podemos ter certeza de que a maneira como vemos as pessoas, as situações e a política é correta, e a maneira como outras pessoas as veem é tolamente errada? Bem, se você se pegou neste ponto, provavelmente você está sendo vítima do realismo ingênuo, uma vez que os fatos podem ser - e de fato são - vistos de muitos pontos de vista, e não necessariamente a realidade pode se reduzir a um certo ou errado.

Mas o professor Lieberman queria encontrar onde esse dilema se instala no cérebro, em busca de alguma saída que possa ajudar as pessoas e ver suas opiniões de modo menos apaixonado e evitar confrontos.

Córtex gestalt

A resposta, de acordo suas pesquisas, está em uma região do cérebro que ele chama de "córtex gestalt", que ajuda as pessoas a entender informações ambíguas ou incompletas - e descartar interpretações alternativas.

A Gestalt era uma escola alemã de psicologia perceptiva cujo lema era: "O todo é maior que a soma das partes". A abordagem se concentrou em como a mente humana integra elementos do mundo em agrupamentos significativos. Tipicamente, o termo não é traduzido para nenhum outro idioma.

Bem, eu vejo as coisas de forma diferente!
Você não é irracional, apenas pensa de forma quântica.
[Imagem: Hakon Fyhn/Kavli Institute for Systems Neuroscience/NTNU]

E o Dr. Lieberman acredita ter encontrado no cérebro o "hardware" responsável pela gestalt.

"Nós tendemos a ter uma confiança irracional em nossas próprias experiências do mundo e a ver os outros como desinformados, preguiçosos, irracionais ou tendenciosos, quando não conseguem ver o mundo da maneira que vemos. A evidência dos dados neurais é clara de que o córtex gestáltico é fundamental para a forma como construímos nossa versão da realidade," disse ele.

O córtex gestáltico está localizado atrás da orelha, entre as partes do cérebro responsáveis pelo processamento da visão, som e tato. Essas partes são conectadas por uma estrutura chamada junção temporoparietal, que faz parte do córtex gestáltico.

No novo estudo, Lieberman propõe que a junção temporoparietal é central para a experiência consciente e que ajuda a organizar e integrar características psicológicas de situações que as pessoas veem para que elas possam entendê-las sem esforço.

Cérebro ditador?

Embora a questão de como as pessoas entendem o mundo seja um tópico de pesquisa antigo na psicologia social, os mecanismos cerebrais subjacentes nunca foram totalmente explicados, justifica Lieberman.

Atos mentais coerentes, sem esforço e baseados em nossas experiências tendem a ocorrer no córtex gestáltico. Por exemplo, uma pessoa pode ver outra sorrindo e, sem nenhum pensamento aparente, perceber que a outra pessoa está feliz. Como essas inferências são imediatas e sem esforço, elas normalmente são descritas como "vendo a realidade" - embora a felicidade seja um estado psicológico interno - e não como "pensando sobre a realidade".

"Nós acreditamos que apenas testemunhamos as coisas como elas são, o que torna mais difícil valorizar, ou mesmo levar em conta, outras perspectivas. A mente reforça sua melhor resposta e descarta as soluções rivais.

"A mente pode inicialmente processar o mundo como uma democracia, onde todas as interpretações alternativas são votadas, mas rapidamente termina como um regime autoritário, onde uma interpretação governa com mão de ferro e a dissidência é esmagada. Ao selecionar uma interpretação, o córtex gestáltico literalmente inibe outras," concluiu Lieberman.

Uma coisa que o pesquisador não explica - e nem nenhuma outra linha de pesquisa que tenta associar comportamentos a estruturas cerebrais - é porque a grande maioria das pessoas é razoável, não acredita ter a verdade e tampouco tenta impor sua própria verdade aos outros. Ou será que as pessoas de bom senso não têm córtex gestáltico?

Checagem com artigo científico:

Artigo: Seeing Minds, Matter, and Meaning: The CEEing Model of Pre-Reflective Subjective Construal
Autores: Matthew Lieberman
Publicação: Psychological Review
DOI: 10.31234/osf.io/64e2h
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